A poesia escapa das formas literárias, inventa a sua própria correnteza-crítica-estética-ética, é um animal em fuga com vitrais góticos vibradores de forças singulares, um animal ritmável com tremendas espessuras temporais que vem-vive do excesso do mundo, do improvisado, do inesperado, expandindo-se, existindo-se, incorporando-se ao anexar-se à incomensurabilidade do estar dentro-e-fora de si-mesmo, mesclando o mundo por meio de fissuras ilimitáveis abertas à produção de espaços sem fundo (bestialidade-animalidade-humana, intensificada pela ininterrupta insurreição da assintaxia: ecos perfuradores de fissuras-da-matéria-luz-em-movimento)!
“A poesia acontece nos movimentos vertiginosos das traduções, nos roubos vivificadores do mundo”
A POESIA provoca a revivescência da cosmicidade feiticeira, a reaparição dos dicionários vivos-indecifráveis, subverte silenciosamente os códigos das predominâncias instauradas ao capturar as cartografias intensivas da anti-matéria do mundo, as volteaduras voltaicas-cibridas, as linguagens insanas, dementes, desertoras, delirantes, histéricas por meio de intermezzos escorregadios, de ritornelos movediços, de processos inacabados para apreender os mundos sensíveis, os lances de dados das hemorragias acontecimentais com o phanerón-balbuciante das raias de todas as artes, de todas as ciências, de todas as forças rupturantes do mundo, fazendo geografias caológicas, fundindo vida no instante que se eterniza e se desvanece simultaneamente____força germinativa-germinal de heterogéneses, intensificadoras do pensamento-impensado, do pensamento em confronto com o sensível, até ao incomensurável, ao arrebatamento ininteligível! A poesia se transforma, retransforma se cria, recria, se revolta contra tudo que nega a vida, é uma força incomensurável de interpretações, de oscilações electromagnéticas, de descodificações de movimentos infinitos de presentes futuríveis-larvários, de percepções impessoais, é um animal fraudulento, falsário, contrabandista, narcotraficante de topologias à deriva, de invaginações-do-geometral, de atravessamentos sígnicos, de diagramas-sensitivos carregados de conexões mutantes, de decomposições compositivas que desterritorializam a presença do excriptor em direcção ao instável repleto de coexistências porque o animal-poema se constrói e se contradiz, caminha à procura de paradoxos, do não-dito onde o sujeito e objecto se destronam e se descentram num ritmo de descontinuidades: direcções coexistem com outras direcções e o mundo se mundifica e torna tudo inobjectivável, sim, sentimos adentro e fora de nós uma multidão bastarda, lenta-veloz e com desvios simultâneos, cavalgando sobre todas as línguas para esculpir a desrazão, a estrangeiridade no corpo acoplador de uma miríade de bifurcações afectivas-vibráteis que combatem as vazaduras da morte na língua! É uma energia tremendamente vadia e obscura que nos avizinha do incomensurável ao minar ininterrompidamente o dizer, a palavra em contágio com o tremor habitacional doutra palavra na palavra, atingindo as visões fabuladoras, o transbordamento dos limites onde os circuitos do poema-mundo-autónomo se interpolam porque sentem a retracção fragmentada, a excreção do corpo, o acidente assígnico perante a memória que se arruína, se incendeia, materializando espiritualmente o oblívio na inesgotabilidade da linguagem! SIM, sentimos o entrelaçamento dos magnetismos das emancipações híbridas sem transcendências, fazendo da indistinção, da indeterminação, as errâncias das ulcerações sígnicas-brownianas, as superfícies-profundas-intensivas das linguagens em perpétuo desequilíbrio, em disjunção inclusiva de micro-pontos-de-vista, de raias agramaticais, criando cosmovisões assintácticas, derivações, rombos, intersecções dos golpes impermanentes, levantados contra o mundo-por-dentro entre aprendizagens em devir: aqui-agora: o poema escapa ininterruptamente ao apoderamento porque nos faz escutar as línguas em ressuscitação intermitente fora das jurisdições, das supremacias, dos controlos, sim, o texto-animal se torna um lugar-sem-lugar de escuta de fluxos de vozes, um assalto de vocalidades que invadem o mundo dos mundos.
“A poesia é uma energia tremendamente vadia e obscura que nos avizinha do incomensurável ao minar ininterrompidamente o dizer”
SIM, a poesia é um animal provocador de sensações incontroláveis, acontece nos movimentos vertiginosos das traduções, das transduções, dos roubos vivificadores do mundo, sobrevém nos mosaicos de capturas de permutas das cirandas estéticas que rasgam firmamentos, misturam as linhas de variação de contrários numa golpeadura afirmadora do acaso, compondo, proliferando caos e sensações com as vazaduras do corpo onde tudo passa por entrecortes e por intercessores de intensidades que desamparam as percepções, tudo é varado, entrela16çado pelas dobras variegáveis, impulsionadas pelo desmontável, reversível, modificável dos alfabetos desconhecidos, pelos ecos distantes dos gritos do não nascido que se expandem até ao infinito e retêm o vazio arrastador de rizomas cartográficos, de relações do absurdo e de metamorfoses disformes em confronto com o devir, com o mapa-mundo, sim, intensidades andarilham as indeterminações do invisível, asseveram as forças de vida através de pensamentos escorregáveis, de ondulações cerebrais repletas de afectologias, de coreografias imanentes (zonas de vizinhança de indiferenciação)! A POESIA é uma linha matéria-de-forças-espirituais, é animal do reentrante das superfícies porque produz vida e faz parte da potência vibradora da sedução feronomática implodindo intensidades, anulando, esculpindo e misturando matérias, é a política estética-acósmica adentro da correnteza do impossível, de uma miríade sensorial estranhada que atravessa o corpo, resistindo a si-mesma, não tem objectivos colectivos, nem comunitários, nem irmandades, nem manifestos, sua função é não ter função, porque navega afectivamente, desabaladamente onde a vida se transforma em alvoroços sensíveis, em impessoalidades, em heteronomias, procurando zonas de perplexidade, sim, acontece nos vigores proliferantes da insubordinação, não se submete ao organismo, à acepção, produz desvios, adquirindo novos sentidos no tempo que é a fusão dos instantes espirituais no real-virtual do cérebro-caleidoscópico, sim, constrói um espelho quebrado de tensões permanentes sem catarses, ampliando, transformando os olhares que ziguezagueiam sobre o mundo transhistórico-acronológico____um alpinista-cartógrafo que não traz certezas mas tentativas e invenções de estratégias, planos moventes, abertos ao corpo do corpo, retransformando os materiais com as possibilidades criativas presentificadas pelos devires perfuradores de sensações de um passado futurível, sim, são sensações desconhecidas em processo cataclismático! A poesia é insatisfazível, insaturável, está sempre em alta voltagem, é uma força cortante da linguagem em transcodificação, em decifração entre as expectações por vir, as coexistências mutantes-acontecimentais e a impessoalidade impulsionadora do tremendo silêncio que envolve o arrasto incógnito da palavra: uma conflagração de esboços que afirmam as diferenças por meio de movimentos ininterruptos de partículas abstractas, a-significantes, contemplativas, é uma sobreexcitação no pensamento, uma potência em acto nómada quebradora de formas porque lida com o abismo prestidigitador que tangencia intermitentemente a crueldade entre teatros-arenas e a arte de estar no-do-mundo, absorvendo a complexidade sensível do real contra o percepcionado onde as palavras só vibrarão se suas morateiras espetarem nos pulmões do mundo, nas reentrâncias obscuras do corpo com a sede de expirarem, de se esbulharem e de repulularem como auspícios inumanos, chamando para não nomear ( avocar as coisas inexistentes, inomináveis)!
“A poesia arquitecta a sua capacidade criativa no confronto com o silêncio do mundo”
A poesia é como o frevo e o maracatu de epifanias-aberrantes, não invita, arrasta, transporta-nos para as composições sintomatológicas, da razão-ardente-impura e afectada pelas diferentes correntezas de vida, pelas línguas analfabetas e antropologicamente abertas às lacunas, às vazaduras reconfiguradoras de sentidos que defrontam o grito indefinidamente variável, nos núcleos proliferantes da tentativa das ex-criptas: a poesia acontece num entrelaçamento de forças polimórficas, de forças caóticas, de acasos rítmicos, problematizadores dentro da inesgotabilidade do real de promessas incumpridas onde se levantam, catapultam micropercepções em variação contínua, em movimentação disjuntiva, em misturas ecoantes-incorpóreas. A poesia acontece-na-convulsividade-multilíngue dos choques estéticos para desencarcerar a vida, profanar o sagrado, rasgar, remascar o inesperado, libertar contrastes, trespassar-nos por meio de sensações desorientadas, sem pontos de partida, sem pontos de chegada, sem gráficos, sem coordenadas, sim, enfrentar o estranho, o imprevisível, a sedução que nos leva para o subversivo, os murmúrios das errâncias sem respostas e seremos sempre perseguidos por incógnitas do rumor do fora feito de transformações vertiginosas do inapreensível, indizível, do indiscernível, sim, sair da consciência, da fantasmagoria por meio das cartografias do tempo puro-paradoxal, das polinervuras do pensamento intensivo onde as fissuras sígnicas incomensuráveis se abrem sem cicatrizações, destruindo itinerários, inventando percursos, reaparições onde a palavra é cataclísmica, embriagada, exaltada porque alcantila sua potência destruidora, arquitecta sua capacidade criativa no confronto com o silêncio do mundo que aparece sem ser chamado como um risco em fuga acoplado a zonas desfocantes, às entrepausas da visão do não-vivido que multiplica os arrancos dionisíacos, transhumanos-inumanos nas luzes reencontradas na própria escuridão: é na plasticidade de golpes topológicos que nos desmoronamos cheios de falas indecifráveis e de contra-significações: sentimos a avalanche demoníaca das composições áridas que absorvem os vestígios acústicos do caos, os pactos incumpridos, intercalando memórias-ontológicas com as cartografias vazadoras de múltiplas ressonâncias intervalares do que-há-de-vir(escapar das formas orgânicas e voltar em linhas transformáveis___dançar o espaço a-signico, criando duração no instante___forças que se dobram aproximando matérias sem contornos): a poesia é um macaréu da desumanização!
Luís Serguilha é poeta, ensaísta e curador arte ibero-afro-americana.
Foto do autor por José Lorvão.
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