João Manuel Ribeiro é poeta, escritor, editor e investigador.
Doutor em Ciências da Educação, pela Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Coimbra, com dissertação sobre «A Poesia na Escola – Resposta ao texto poético e organização do ensino». Mestre em Supervisão Pedagógica e Formação de Formadores, pela mesma Faculdade, com dissertação sobre «A Poesia no 1.º Ciclo do Ensino Básico – Das Orientações Curriculares às decisões docente». Master em livros e literatura infantil e juvenil, pela Universitat Autònoma de Barcelona. Mestre em Teologia, pela Universidade Católica do Porto, com dissertação sobre «A evolução espiritual de Antero de Quental – Um itinerário da modernidade em Portugal». Licenciado em Teologia pela mesma Universidade.
Formador de professores. Formador de formadores. Formador da Direcção-Geral do Livro e das Bibliotecas. Sócio da Associação Portuguesa de Escritores. Sócio da Associação de Jornalistas e Homens de Letras do Porto.
Tem-se dedicado à escrita para crianças, acompanhando tal processo com um trabalho de dinamização da literatura em Escolas Básicas do 1.º Ciclo e colégios. Dinamizou alguns projetos de escrita colaborativa com alunos, resultando desse processo alguns livros, concretamente Raras Aves Raras (2010), Quem do Alto Olhar (2011), Viagem às Viagens (2011).
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– Palavra Comum: Que é para ti a literatura?
– João Manuel Ribeiro: Seria muito cómodo ter uma resposta na ponta da língua ou arquivada na memória uma de antologia. A verdade é que a melhor que me ocorre é subtraída a Santo Agostinho que, no capítulo XI das suas Confissões, a propósito do tempo, refere que, se não lhe perguntarem sabe perfeitamente o que é, mas se lhe exigirem uma resposta não será capaz de a dar.
Também o escritor e poeta argentino Jorge Luís Borges, no seu livro Este ofício de poeta (2002. Lisboa: Teorema), a propósito da poesia, diz: “se me perguntarem, então não sei” e explica, “conhecemo-la tão bem que não sabemos defini-la (…) assim como não sabemos definir o sabor do café, a cor vermelha ou amarela ou o significado da ira, do amor, ou do ódio, do nascer ou do pôr do sol (…). Estas são coisas tão fundas em nós que só podem exprimir-se mediante esses símbolos vulgares que partilhamos” (p. 22). Estamos perante a defesa da literatura como algo tão estrutural ou conatural à condição humana que não pode definir-se, sem se correr o risco de secundarizar a sua importância.
Sei, porém, que a literatura é, para mim, um bem de primeira necessidade, tão fundamental que, sem ela, eu não seria o que sou e como sou. Sobretudo a poesia, esse género literário que não mora apenas nos versos, mas que convoca o coração e a inteligência para uma viagem de plenitude e sentido.
– Palavra Comum: Como levas adiante o processo de criação literária?
– João Manuel Ribeiro: Como um processo para o qual não tenho nenhum ponto de partida, meio ou de chegada definido. Acontece quase sempre por um impulso interior ou uma agressão exterior (convite/encomenda) que me põe a investigar, a escrever (às vezes, a reescrever(-me) e a sentir um desmesurado prazer por criar.
– Palavra Comum: Qual consideras que é – ou deveria ser – a relação entre a literatura e outras artes (música, cinema, artes plásticas, etc.)? Que experiências tens, neste sentido?
– João Manuel Ribeiro: Não devia ser uma relação, mas uma correlação, no sentido em que todas se convocam (ou deviam convocar) mutuamente para serem mais amplas e significativas. A polissemia / polifonia constitui (quase) sempre uma oferta de sentido provocadora.
Como escrevo sobretudo para crianças e jovens, tenho tido alguma experiência de relação feliz com a ilustração. Ultimamente, também com a música nos encontros com os alunos, em escolas. Com o cinema ainda não, mas com o vídeo sim.
Fiz também uma incursão pela poesia experimental com o livro TPC – Trabalhos Poéticos em Curso (no âmbito concreto do «Letrismo»)
– Palavra Comum: Quais são os teus referenciais -num sentido amplo-? Quais deles achas que são desconhecid@s (ou preteridos) injustamente?
– João Manuel Ribeiro: Considero como referenciais, em sentido amplo, os neorrealistas em geral, portugueses e não só, devido ao seu compromisso sociopolítico com a realidade. Inversamente, mas não contraditoriamente, Gianni Rodari e a sua Gramática (Estética / Ética) da Fantasia, devido ao seu realismo literário.
A tradição oral e popular é outro dos referenciais para o meu trabalho literário, sobremaneira os jogos poéticos, as rimas infantis, cantilenas, trava-línguas, adivinhas, entre outros. Apesar de mais divulgado, este continua a ser injustamente um continente esquecido (e preterido, sim) que seria necessário recuperar no seu valor intrínseco e instrumental.
– Palavra Comum: Que caminhos (estéticos, de comunicação das obras e @s escritor@s com a sociedade, etc.) estimas interessantes para a criação literária hoje?
– João Manuel Ribeiro: As redes sociais são hoje um caminho inevitável para a comunicação das obras e dos escritores com a sociedade. Em Portugal, extinguiram-se quase por completo dos jornais as páginas de crítica e cultura e resistem apenas algumas revistas literárias, circunscritas aos meios académicos. Neste quadro, as redes sociais apresentam-se como um caminho alternativo, com as suas possibilidades e os seus limites. Apesar de tudo, vejo com entusiasmo alguns projetos consistentes na área da comunicação das obras e dos escritores, ao nível das redes sociais.
Temo, todavia, que estas ferramentas contribuam para o “apoucamento” de projetos literários consistentes (e exigentes, em termos estéticos e de leitura) em favor de uma literatura pret-à-porter, excessivamente light, acentuadamente intimista (cor de rosa?). Acredito, porém, que o trabalho com a palavra há de suscitar sempre caminhos literários inéditos. Haja quem os percorra, como criadores e como leitores!
– Palavra Comum: Como vês a literatura portuguesa nestes momentos?
– João Manuel Ribeiro: Salvaguardado o anteriormente dito, considero que a literatura portuguesa atravessa um bom momento, tendo merecido além-fronteiras reconhecido êxito, seja pelo crescente número de traduções, seja ainda pela divulgação em feiras internacionais, como Frankfurt e Madrid, por exemplo.
Têm surgido alguns novos autores com reconhecido mérito e outros consolidado a sua carreira, a par de algumas incursões editoriais inovadoras.
– Palavra Comum: Que perspectiva tens sobre Galiza e a sua vinculação com a Lusofonia? Que experiências de intercâmbios tiveste?
– João Manuel Ribeiro: Tenho a impressão de que a Galiza quer uma vinculação acrescida com a Lusofonia. Temo que o contrário não seja verdadeiro, dada a supremacia do castelhano (espanhol, em termos editoriais). Acredito que tal vinculação seria benéfica e útil para a dinâmica literária de Portugal e da Galiza.
Estabeleci largos e intensos intercâmbios com a Galiza, primeiro, por razões / questões académicas (pós-doutoramento em Santiago de Compostela e membro associado da LIJMI) e. agora, pelo facto de o meu livro «Meu avô, rei de coisa pouca» ter sido traduzido para galego, pela Hércules de Edicións, o que, entre outras coisas, me possibilitou o contacto com alunos galegos e algumas entrevistas a meios de comunicação da Galiza (TV e rádios).
Tenciono aprofundar este intercâmbio codirigindo uma coleção de poesia, que editará, brevemente, livros de poesia em português e em galego, de poetas de ambos os países.
– Palavra Comum: Que vínculos há, do teu ponto de vista, entre arte(s) e vida(s)?
– João Manuel Ribeiro: Teríamos de precisar (refletir, filosofar) sobre o que entendemos por arte e por vida. Mas, porque isso não nos cabe aqui, em termos genéricos, diria que, a(s) arte(s) e a(s) vida(s) são indissolúveis! Não podem separar-se. Não (nos) serve uma arte morta (sem vida) e a vida (toda a vida) sem arte não é vida digna desse nome.
– Palavra Comum: Que projectos tens e quais gostarias chegar a desenvolver?
– João Manuel Ribeiro: Não tenho projetos concretos. O único projeto é dedicar-me o mais que puder à escrita e à formação de leitores (de literatura, em geral, e de poesia, em particular). Ficarei feliz se o conseguir desenvolver.
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