A pureza é um ornamento
Uma longa vida de sossego e pressentimento
que desate o nó das horas
faça crer a vida inteira
o que se quer como último segundo.
O ar que deixa suas iscas
suga a juventude, o ar
numa delicadeza em óbice.
Sabedoria como aroma.
Fé pelos novelos.
E me empurra como gato
– mutatis mutandi.
*
Luxúria
De quanto eu te olho.
Quando o caminho é feito
de grandeza e cascata.
O cheiro notívago, galhos que somos.
Do estar sem pauta.
Tinta do esmalte, rasgando.
Casas em suas manhãs
suspensas.
Desmedido no pincel dos dedos
o certeiro.
*
Das rondas noturnas, encher um quadro de alianças
das imagens que esclarecem com fantasmas
rostos fazem eclipse, cipós a enrolar
um corpo de ossanha, intraduzível e sem verniz
se chora, é para crer nos vestígios.
*
Guardar que se alastre a relva
que os aviões vaticinem
um punhado de catástrofes domésticas
voltar e ver na esteira
o tráfego da memória
tornar-se maior que pertencido
ao ritmo da inundação
da indústria da sede
do antídoto se guarda
o antigo destroçar da garganta
descurar-se da metrópole
do quórum do novo
ser a invadida sebe
o desgastar dos passos.
*
Fome
Peço, de joelhos
pelo aviltamento do homem.
Minha igualdade se espraia
quando vara os rincões.
Sobre todos vocês
espantalhos de cifras
ordeno que as vacas
cumpram seu desígnio quimérico
de conceber o pasto.
As quatro partes de mim
se arrancam na moenda
norte, sul, leste, oeste
fazem girar a roda e o caminho.
Algoritmos de pássaros
bicam na barriga
do sistema vida.
*
Meu corpo jovem concentra alta invalidez. Tenho páginas abertas sobre as pernas.
São estradas as obras demovendo as paisagens da infância?
Bartleby, minha duna. Descendemos da imobilidade.
*
Eles têm pressa
o terreno é árido
um ajuntamento de crenças
não salva uma lavoura.
Se sou urbana
sou uma alegoria
fé é coisa pouca.
Caminho pelas ruas
como por dentro de vãos
as mãos do ventríloquo
querem dizer-me
como fôssemos um alistamento
de palavras de ordem.
Olhar no espelho
ver onde se demora
o homem que você matou.
*
Segunda-feira
Acúmulo nos vidros, nos cílios
nas pálpebras piscantes
dos sentimentos entorpecidos.
Sazonal, um abrigo na ratoeira.
Possibilidade decomposta
de emergir dos saguões
e cravar o dentro
nas trincheiras da traição.
*
Roberta Tostes Daniel, poeta brasileira nascida no Rio de Janeiro, em 1981. Autora de Uma casa perto de um vulcão (Patuá, 2018). Tem poemas publicados em diversas revistas literárias, tais como: Caliban, Incomunidade, Liberoamérica, Polichinello, Zunái, Musa Rara, Mallarmargens, Literatura & Fechadura, Germina, Diversos Afins. Incluída nas antologias Desvio para o vermelho (Centro Cultural São Paulo, 2012), Um girassol nos teus cabelos – poemas para Marielle Franco (Quintal Edições e Mulherio das Letras, 2018), Amar, verbo atemporal (Rocco, 2012), entre outras. E-mail: robertatostes@gmail.com | Face: /esculpirotempo | Instagram: @robertatostesdaniel | Blog: https://robertatostes.wordpress.com/
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