poema bonsai
penumbra
penumbra
trabalho interior
célula atravessa matéria
vertical da visão
a órbita em torno
a órbita em torno
do interior da imagem
devolve
o centro obscuro
cegueira
ou evidência
ave
ave
neve
casa:
sítio para transbordar
espelho
espelho
imagens desencontradas
órbitas em rotação
redundância infinita
do olhar
breve?
breve?
– mas o que é ser breve?
baixar a cabeça à existência?
estamos sob empréstimo
– breve existência breve!
longevidade
longevidade
uma idade longe de nós
uma aranha com teia
sempre
como advérbio
sem adversativa
levanto as mãos
levanto as mãos
terra quente
vibra
na luz
da oração
mãos dadas
mãos dadas
ao correr das trepadeiras
corre o ímpeto
da luz no ar
relâmpago
contraio as vísceras
contraio as vísceras
terra quente
vibra
na luz
da canção
o corpo não está presente
o corpo não está presente
revolvida a terra
fria
o recebe
em silêncio
dizes que
plantou o espírito
eu lanço água bênção ou chuva
aí talvez encontres o caminho
*
ANA MAFALDA LEITE (1956): Em Sombra Acesa (Vega, Lisboa,1984); Canções de Alba (Vega, Lisboa,1989); Mariscando Luas – with Luís Carlos Patraquim & Roberto Chichorro (Vega, Lisboa,1992); Rosas da China (Quetzal, Lisboa, 2000); Passaporte do Coração (Quetzal, Lisboa, 2002); Livro das Encantações (Caminho, Lisboa, 2005); O Amor Essa Forma de Desconhecimento (Maputo, Alcance, 2010); Antologia Livro das Encantações e Outros Poemas (Maputo, Alcance, 2010); Outras Fronteiras Fragmentos de Narrativas (São Paulo, Kapulana, 2017); Outras Fronteiras (Maputo, Cavalo do Mar, 2019).
Ana Mafalda Leite inicia a sua viagem poética em 1984. Nasceu em Portugal, mas cresceu no norte de Moçambique (Tete) e fez os seus primeiros estudos universitários na Universidade Eduardo Mondlane, em Maputo. Licenciou-se em Filologia Romântica na Faculdade de Letras de Lisboa. É ensaísta, professora e principalmente poetisa.
Professora de literatura africana lusófona – é professora associada da Universidade de Lisboa – o seu trabalho atesta também uma reelaboração poética auto-reflexiva dessa tradição.
Ana Mafalda entre outros temas, como a relação da poesia com a pintura e a música, reflecte na sua poesia sobre conceitos de identidade, pertença e partilha cultural, numa constante viagem interior. Abrindo-se a uma intertextualidade múltipla, oriunda da poesia oriental, do lirismo português, da poesia indiana e africana, a sua escrita reconfigura de uma forma única e original múltiplas origens citacionais.
Em 2015 recebeu o Prémio Femina de Literatura para mulheres lusófonas.
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