envelhecemos
ao ritmo pesado das acácias
das acácias onde abrigados
construíamos casas
um dentro do outro
amar-te era fácil
quando a chuva cheirava a terra
nas beiras que abrigavam
as acácias da tua rua
e era tão fácil
o mundo nos poros a cada grito
nós os dois loucos
vestidos despidos
raízes circundavam pés juntos
os nossos colados
no chão de maio
sempre encharcado
faria qualquer coisa
para ainda ser amor
no morno andar dos dias
eu e tu descalços sem tardes ou manhãs
sempre quis envelhecer, amor
envelhecer contigo
os dois juntos
no lento viver
das acácias da tua rua
*
os cães
ladram à porta dos caminhantes
respiram sabores, odores nossos
dos caminhantes de porta fechada
peca-lhes a vida, a morte, a sorte
a nossa, dos caminhantes à porta
lá fora os cães; cá dentro a fome
e o suor preso nos joelhos
suor que escorre
devagar
suor nosso, dos caminhantes
os cães
os cães ladram à nossa porta
intimidam a noite que tarda a chegar
a noite que de desassossego inata
levará para longe os gritos
os gritos nossos de silêncio cansados
gritos nossos pelos cães abafados
e chega a noite e entretanto outro dia
e chega mais um dia e às costas a fome
nos olhos a sede de quem nada tem
a sede de quem nada tem para beber
Rui Sobral
Nota do editor: o autor solicitou que nesta publicação só constasse o seu nome, sem qualquer biografia associada aos seus poemas.
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