Um dos livros mais notáveis que li ultimamente intitula-se A filha do contador de histórias (The Storyteller´s daughter), de Saira Shah, jornalista británica de origem afegã, autora também dos documentais Beneath the veil, Unholy war e Death in Gaza em colaboração com o seu amigo James Miller (assassinado por soldados israelitas durante a elaboração deste último documental). O livro pode-se encontrar em Edições Asa na categoria de Documentos e narra a experiência de uma jovem criada e nascida na Grão-Bretanha mas originária de uma ancestral família afegã cuja linhagem se remonta mais de mil anos atrás. Saira Shah situa-nos na órbita inspiradora do seu pai, quem a seduze e embebe das mil e uma histórias que lhe falam de um Afganistão perdido mas povoado e habitado pela memória e a imaginação. Fala-nos da chegada da adolescência e da necessidade de viajar à India e conhecer parte da sua família, com o contraste inevitável oriente-ocidente, da sua incursão com vinte e um anos na guerra dos mujahidin disfarçada de homem e de certa tristeza do seu pai quando este lhe diz que não vaia ao Afganistão, pois se realmente soubesse e aprendesse das histórias não precissaria de ir lá. Conta-nos como chegou até o Hindu-Kush, ao Nuristão, onde viviam gentes alheias ao Afganistão em guerra, como se encontra com o poeta Majruh (do que já falei aqui) e como é afectada pelo seu assassinato, os seus conflitos com os diferentes bandos, o seu olhar sobre a condição feminina e masculina, a chegada dos talibães e o seu valor ao passar e introduzir-se num hospital com o burka … Em definitivo, uma história real escrita com talento, inteligência sensibilidade e humor que fai cair muitos mitos sobre a maneira de focar a vida e a condição humana, longe de dicotomias simplistas e ideológicas. Como a própria autora diz algures, lembrando Rumi (continuamente evocado no ínicio de cada capítulo junto a Saadi ou Hafez): “Mais alto, mais alto, eis aí o espírito humano” Deixo-vos, pois, com este convite que não seria má leitura para o verão, do que não há tradução espanhola (que eu saiba) e da que, porém, dispomos numa boa tradução portuguesa.
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