Hirondina Johsua
as mãos brilham como se eu tivesse a boca nos dedos
às vezes não sei o tamanho dos espaços que cercam o nervo das canções:
os chifres, as veias, os veiados, os veículos
todos caminhos para a distracção dos rostos.
toco as frentes dos muros
o poema assusta-se
o ar abafa os mundos
alguns objectos saltam às labaredas de uma constelação lunar ou fora.
reluz
o coração leva luz
para toda parte: bloqueia o aparente.
flutua e reflutua no centro das espadas. Explode rápido o gás das minas da alma. Câmara a mergulhar na morte rápida. Óbvia teia que tactua
~
Nascimento: 31 de Maio de 1987. Local de nascimento: Cidade de Maputo/ Moçambique. Prémios: Menção extraodinária do “Premio Mondiale di Poesia Nosside” edição 2014. Publicou seu livro de estreia em Outubro de 2016 com o título : “Os ângulos da casa” pela Fundação Fernando Leite Couto. Na versão brasileira pela Editora Penalux, Maio de 2017. Integrada em revistas e jornais de Moçambique, Portugal, Angola, Galiza e Brasil. Dentre as quais: revista Caliban, zunái, TriploV, Courrier des Afriques, Acrobata, Sirrose, São Paulo Review, Literatas, Soletras. Rádio-blog Afrolis. Também em várias antologias nacionais e estrangeiras. Colaborou com a revista Missanga de Moçambique. Actualmente escreve para as revistas Pazes, Raízes, Por Dentro D’África, Conti outra do Brasil & Sermos Galiza, Palavra Comum de Galiza e blog Nbenga de Moçambique.
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Inez Andrade Paes
quanta dor no recorte dos meus ombros
traz acesa esta chama de saudade
quase longa entre as mãos
o coração e o pescoço
deixando o pensamento
quase de lado
a crescer qualquer mágoa nas palavras
dentro de mim
tu
que chegas
abandonas
já
o que é todo um passado
~
Inez Andrade Paes nasceu em Pemba, Moçambique. A natureza, a escrita e a arte são o fundamento do seu universo. – Pintura, Ilustração, Poesia, Prosa, Fotografia, Música.
Da escrita: O Mar que Toca em Ti – Crónica de viagem – 2002 ; Paredes Abertas ao Céu – Poesia 2011; Libreto em três Actos, constituindo a “Cantoriana Marítima”, Acto I “Mar Falante”, Acto II “Transparente Luva de Água”,Acto III “Flores de Acanto em Marfileno Lençol”; Da Estrada Vermelha (Poesia 2015); Da Eterna Vontade -Poesia 2015 (Labirinto); À Margem de Todos os Rostos -Poesia 2017 (Coisas de Ler).
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Iolanda Aldrei
POEMA EQUILIBRISTA
Sofria de acrofobia
Apanhara o dia do primeiro encontro
sobre o abismo que unia as duas montanhas.
Ninguém criara ainda as pontes novas.
Persistia a distância entre as estrelas
e o silêncio emergia desde a entranha
colmada de versículos vazios.
Ascendeu lentamente as escadas de corda,
hoje uma, amanhã outra,
para vencer o medo côncavo do ventre,
enquanto escutava, You’ll never walk alone,
e adivinhava que também Nina Simone
teve cravada uma espinha na gorja.
~
Iolanda Aldrei, ativista e poeta, licenciada em Filologia Hispânica pela Universidade de Santiago de Compostela e em Filologia Galego-Portuguesa pela Universidade da Corunha; professora de ensino secundário. Publicou nas revistas Ólisbos, Nós e Cadernos do Povo e participou em inúmeros recitais. Como ensaísta tem publicado trabalhos sobre língua e literatura em Agália e Temas do Ensino.
É professora e dirige teatro infantil e juvenil.
Publicou em poesia: A palavra no ar, 1990, Memória de nove luas, 1994, Grimório Azul de Samaná, 2011, O segredo de Sheela na Gig, 2017, Quando a Joana voltou, 2017. Em teatro: Eva Perón, 1994, com Ângelo Brea e Roberto Cordovani.
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Rosalía Rodríguez Pombo
TODO O MEU DESEJO
Um espaço livre. Preencho-o de palavras. Piscadas. Chuva. Filmes.
Metástases: o coração estende-se além das pernas da rua.
Meus passos vão com esta música, versos e tambores.
Ressoam as minhas imagens. O corpo não me pesa. E o ar não me faz falta.
Faço amor com os sonhos. E não os conheço de nada. Travessa, cruzo sem olhar, apita-me um carro e volto à terra. Agarro-me por um momento aqui em baixo: impureza controlada.
Olhadas, fujo delas, pego nelas, me matam, me salvam. Transcendo luzes de néon ruídos matemáticos, chego mais abaixo, toco minhas raízes. Cresci como uma alga clorofílica e mais ninguém estava lá, porventura agora sim? Até às ruínas do fundo do mar ninguém pode chegar, e as borbulhas me coroaram rainha de um paraíso indescritível. É incrível mas aqui não se ouve nada. Dissolvo-me, sou líquido, água pura, e a lua me maneja. Não falo, não minto, não quero.
Ouve-se qualquer coisa ao longe, e quando olho já não o vejo. Uma seta cruza meu oxigénio: Uns olhos que olham sem dizer uma palavra. Acompanham-me, as algas se afastam. Nossos corpos movem-se por um impulso que vem de acima, a maré nos eleva. Não percebemos nada.
Nada. O tempo não passa. Ou sim, aqui em baixo não se ouve nada. Ondas submergem-nos mais abaixo. Dentro do fundo e tocamos a areia branca que ninguém pisou. Virgens explorando, movemo-nos pela inércia dos corpos que sobem e baixam. Acima passam furiosas, mais ondas.
Uma espuma choca contra outra, o golpe empurra o meu corpo meu olhar a uma espiral obscura que me trespassa. Não vejo nada. Agito meus braços para acima, a água está viva, me enlaça, solto as minhas pernas, levanto a minha cabeça, para acima, já vamos, chegamos.
Onde estás? Não te vejo.
Fora, longe de casa. Meu outro corpo perdido no oceano.
Acima, o ar seca a minha pele, pesa-me a saliva ancorada na minha garganta. Necessito água.
Volto, revolvo tudo, procuro-o, não o encontro. Agora estou outra vez aqui, onde te perdi. Ruínas azuis. Mas já não há marcas na água. Nadadora, agora, com meta. Perco a minha coroa, navego, agora, num mar vermelho.
Um ruído aparece, quando olho não ouço nada, e chega outra vez, o mesmo olhar.
Não há corpo, não há saída. Seus olhos, me crucificam numa cruz de borbulhas. E eu só procurava a minha coroa, meu corpo, e me cravas contra isso, contra todoomeudesejo. Dias, passam tantos dias. Estou prestes a afogar, trouxeste-me à terra. Estou nela? E luto, agora luto contra ela ou contra ti que me cravaste a ela, mas primeiro hei de soltar-me para logo agarrar-te. Enfureço a minha vontade, sangro. Não funciona. Quieta, tranquila, fico paralisada. E dissolvo-me, afundo-me no mais infinito do oceano. Transparente, puro mar. Liberdade. Nado para ti. Não podemos tocar-nos, misturamo-nos, não tens corpo, só duas asas, e a minha alma.
[Tradução do castelhano: Alfredo Ferreiro Salgueiro. Revisão: Tiago Alves Costa]
~
Aos 17 anos marcha a Madrid para estudar jornalismo, escreve textos de crítica literária, prosa e poesia para o Periódico DIAGONAL, e para os fanzines Tesauro e Luna Puta. Em 2005 e até 2007 é membro do atelier literário da Asociación Colegial de Escritores de España, dirigido por Andrés Soler. Durante o verão de 2005 trabalha como voluntaria de assistente para as companhias de teatro alternativo dentro do Edinburgh Fringe Festival; em 2006 ingressa na Escuela de Cinematografía y del Audiovisual de la comunidad de Madrid. Desde o fim de 2006 e até 2008 dirigiu o projeto cultural “ReCrea Galicia” para a Casa de Galicia en Madrid, creado e dirigido por ela e que oferecia um evento por mês de criadores experimentais vinculados à Galiza. Em 2006 estreia a obra de teatro “Desnudez Tóxica”, escrita e dirigida por ela, na sala de arte y teatro Artépolis, que também foi representada no I Festival Arte en la Ciudad organizado pela Asociación Transfiguart. Faz parte do grupo poético Diversos Dicen e participa em recitais da cidade da Corunha assim como nas jams poéticas d’ O Alfaiate e Villatuerto.
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@palavracomum
#8M
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