Escrever é sempre parte de um movimento maior, à deriva de imagens e palavras que nos acompanham como amuleto e espera – partida para um lugar remoto do inconsciente onde reina o sonho e a metáfora (local sagrado e indecifrável) que só pode ser lido em seu contexto do poema quando este deixa o imaginário de quem escreve para a página. Cada escritor tem sua partitura particular, transcrever esse local – materializa-lo – é tarefa de cada um que escreve. Como num ensaio de queda e redenção. O poema como resistência de quem o pensa e sente.
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Anotar o imprevisto. Deixar o fluxo vir. Reconhecer as palavras difíceis, trazer a escrita para o papel. O poema como metáfora do sonho, do insondável. Perceber que a caligrafia hesita, falha na acepção do novo, na busca pelo que há de mais oculto dentro de si. Sondar o improvável até fazer nascer o que há para nascer como o real de um duplo artifício.
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Tenho feito muitos silêncios. No plural para averiguar as rachaduras, as reticências, os espaços vazios como no poema de Ana Cristina Cesar. O silêncio permite suspender o momento, refazer a trajetória do presente sem que se interfira em sua nomenclatura. Tenho feito muito silêncio em dias de sol e frio para checar se ainda o real aguenta o chamado do imaginário e da crença naquilo que cresce por dentro sem atalhos e faz nascer o poema.
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Queria entender o movimento de ir e vir, aquele segundo em que a correnteza corre em direção ao rio, o movimento das aves migratórias, a pulsão do primeiro beijo. Queria entender como nasce o amor e o ódio, como crescem as disputas e as rivalidades. Queria compreender o significado do poema quando surge feito sonho e desliza seus versos na página ainda virgem e branca da manhã.
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Fernanda Fatureto é poeta e jornalista. Autora de Ensaios para a queda (Editora Penalux, 2017). Bacharel em jornalismo pela Faculdade Cásper Líbero. Seu Ensaios para a queda foi eleito pela revista São Paulo Review e pelo site Letras in.verso e re.verso um dos melhores livros de 2017. Participa do Caderno de Prosa e Poesia Subversa 2 (2019); das antologias Damas entre Verdes (Edições Senhoras Obscenas, 2018); 29 de Abril: o verso da violência (2015); Senhoras Obscenas (2016) e Subversa 2 (2016). Possui poemas em revistas literárias brasileiras; nas revistas portuguesas Eufeme, InComunidade e Enfermaria 6; nas revistas espanholas Cuaderno Ático e Liberoamérica; na revista galega Palavra Comum; revista mexicana El Periódico de las Señoras na revista Mbenga, de Maputo. Estreou com o livro de poemas Intimidade Inconfessável (2014). Integra, junto a autores de diversos países, a plataforma espanhola Liberoamérica.
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