Enrique Sáez relata nesta ocasião as suas experiências na altura da Revolução dos Cravos. Aliás, nesta ligação o autor oferece uma relíquia musical (música e letra) do seu arquivo pessoal para lembrarmos aqueles tempos cheios de convulsão e boas expetativas.
Permitam-me uma breve recordação daqueles tempos, quando alguns jovens esperavam o fim de um regime opressivo que parecia eterno. O golpe militar de 25 de Abril de 1974, em Portugal, foi um raio de esperança. Caiu a outra grande ditadura ibérica, a mais antiga do continente, muito desgastada por uma longa guerra colonial sem saída.
Para os galegos, pela proximidade geográfica e cultural, foi fácil identificar-se com o que se passava para além do Minho. Além disso, minha namorada, Arantza, era jornalista da secção internacional de La Voz de Galicia e vivíamos intensamente o que acontecia lá fora. Até escrevemos alguns artigos juntos que assinamos sob pseudónimo. Poucos dias depois do 25 de Abril, foi publicado um deles (“Suerte Portugal”), que analisava as causas da revolta e as dificuldades que os seus protagonistas enfrentaram para acabar com as guerras nas possessões africanas, criar uma democracia e reconverter uma economia cuja principal fonte da riqueza era a exploração dos recursos naturais nas colónias, controladas pelas “cem famílias”. Eles cimentaram o fosso social com a maioria da classe baixa portuguesa e uma burguesia fraca.
As primeiras frases desse artigo eram “O regime de Salazar, constrangido pela rigidez dos seus princípios, pela falta de imaginação e pelo divórcio da realidade”. A seguir tratava a situação portuguesa e os erros de Marcelo Caetano que em 68 substituiu António Salazar, no poder desde 1932 (essa ditadura militar tinha começado em 1926). Comentários sobre política internacional, feitos em meios de comunicação abertos, também serviram para enviar mensagens sobre a situação em Espanha. Estávamos sob censura há décadas e a causa disso acostumados a leituras duplas.
A situação tensa nas colónias e as diferenças de classe fizeram com que o ramo mais esquerdista do exército português liderasse o processo revolucionário a partir de uma abordagem muito esquerdista. Bancos e empresas importantes foram nacionalizadas. Como consequência, uma economia que entrava na fase pós-colonial acabou sendo ainda mais prejudicada e, na década seguinte, o que havia sido nacionalizado teve que ser novamente privatizado. Avançou para uma democracia estável que conseguiu aderir, com a Espanha, à União Europeia em 1 de janeiro de 1986.
Os primeiros tempos daquela revolução foram uma alegria para muitos espanhóis que aproveitaram os fins de semana prolongados e as férias para se aproximarem do país vizinho. Estivemos lá no início de 75, as fotos que acompanham essas falas são dessa viagem. A do final é de um grafite, que não se lê bem, mas que diz “Arriba Franco, máis alto que Carrero Blanco”, seu delfim assassinado pelo ETA em dezembro de 1973, explodindo uma bomba na passagem de seu veículo oficial.
Lisboa ofereceu um programa de eventos variados, incluindo comícios dos partidos espanhóis proibidos. Um amigo rouco de tanto gritar contra um regime que estava nos seus últimos meses confessou-nos que tinha evitado dois anos de tratamento psiquiátrico. Chamaram-me a atenção as canções de luta que reivindicavam fervor revolucionário e foram assinadas por organizações de esquerda radical. Ainda tenho algumas que comprámos numa barraca de rua. Eles são um símbolo vivo do meio ambiente que existia. Dignos sucessores de “Grândola, Vila Morena”, o sinal emitido pela rádio para coordenar, há meio século, o início do golpe.
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Enrique Sáez, licenciado em Economia e Direito pela Universidade de Santiago de Compostela, possui mestrado em administração e negócios pelo IESE de Barcelona. Profissional de empresa privada, trabalhou durante trinta anos no Banco Pastor, onde ocupou cargos de alta administração durante os últimos quatorze. Frequentou cursos de pós-graduação na Northwestern University em Chicago e na Cambridge University no Reino Unido. Na Universidade Menéndez y Pelayo, ministrou um curso sobre questões financeiras e colaborou com outros sobre economia internacional. Desde 2003 é empresário e ocupou cargos de administrador em diversas empresas. Especialista na análise económica do desenvolvimento, da organização dos Estados modernos e da situação na Galiza, está também envolvido em atividades de ensino universitário.
Obra em galego
Ensaio: O mundo e nós (1999, Xerais); A liberdade no século XXI (2017, Editorial Galaxia).
Obras colectivas: Á beira de Beiras. Homenaxe nacional (2011, Galaxia).
Obra castelhano
Ensaio: La energía oscura del dinero (2019, Marcial Pons Ediciones de Historia).
Cf. Blog: La libertad en el siglo XXI.
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