Antes dos nomes
Eras, minha senhora, um jardim do inverno
anterior ao tempo.
Os passos em silêncio, as tuas mãos em coma.
As tâmaras negadas a pássaros sem nome.
As fontes da fome.
Levantado o teu desejo
de vento sobre o meu
desejo.
E as tâmaras do teu silêncio
germinando-me por dentro.
(Do livro “O teu corpo a oriente e ocidente”)
*
Trovão e silêncio
Para Aida Saco Beiroa
A partir de um silêncio
mais velho que a atmosfera
convoco as aves dos teus dedos,
os músculos
da tua voz,
para que venham todas redemoinhar
por sobre o coração
–essa praia que espera a tua luz a tua lua nova–
pátria verdadeira que acompanha nas viagens.
Por sobre a tua voz eu deixo meu silêncio
por sobre a boca
do piano eu abandono
este trovão.
(Do livro “O teu corpo a oriente e ocidente”)
*
4.
Atrás do Palácio
que as nações adoram,
atrás das torres no jardim
do pasmo,
sob a última lua do verão,
a tua face
E então o Palácio se revela,
e a lua de setembro se
transmuta,
desvendando
a menorá
do teu seio.
O caminho até o jardim
da tua soberania.
(Do livro “O teu corpo a oriente e ocidente”)
*
13.
Não posso na verdade te chamar
de tu e a mim de mim,
ambos o sabemos,
e sabemos que ninguém entende
a nossa língua
–esta que chamam de silêncio.
Às vezes insinuam que tu não existes
que não há amantes
à maneira
E nós, tu e eu, rimos
aumentando o número das plêiades
em cada abraço
em
cada segredo.
(Do livro “O teu corpo a oriente e ocidente”)
*
Por Babilónia, me achei
Meus metros vibram
pela sinfonia
lagoa das cidades,
entre a pólvora
dos hinos enterrados.
Assassina delicada.
Vento na esperança
que ilumina e deixa sede
de si mesmo
e a sua procelosa cercania.
Abre as têmporas a uma
sucessão de dias
intimamente
unidos ao silêncio,
amigos dos infames,
dos amigos,
dos sonhos e as insónias
escarpados.
Úteis para quem
sabe
da
utilidade dos suspiros
Ventos da insânia
esquecei-me,
por
estas vides abandonei o som,
por esta alma insone
realizei
a viagem apurada e luminosa
(Do livro “Sefer Sefarad”)
*
Oriente
No Levante, o raio contemplou,
e, assim, ficou enamorado do Oriente.
Mas, se houvesse brilhado no poente,
ao Ocidente se teria encaminhado.
Ibn ‘Arabi
Navego e sou
em proporção
ideal e desmedida
essa luz tarde das tardes:
meia-lua do silêncio
crepitando na garganta
na proporção,
ideal
e desmedida,
de que usam os golfinhos
quando viajam
para os abismos da voz.
Uma torrente de água
nas extremações da luz
a casa consolada e feliz,
aguarela desmedida
derramada no verão
de uma ilha parecida com a infância,
luz deambulante
da nossa Idade.
(Do livro “Sefer Sefarad”)
*
Tu, que escutas, que escreves no silêncio
o silêncio em que me escreves
e te escutas.
Que em mim sempre manifestas, e me ocultas,
sabe que eu
sou a tua véspera
O teu caminho o teu momento propício
a greta
na rocha e a sua profecia
o precipício aonde o carneiro cai
a noite
em que tu és
no meu dia
(Inédito)
**
Pedro Casteleiro nasce em Ferrol (Galiza) em 1968, ainda que cedo se estabelece na cidade da Corunha. Faz os estudos da Licenciatura em Direito na Universidade de Santiago de Compostela e enceta então uma tarefa de publicação de livros, artigos e direção de revistas (Folhas de Cibrão, Poseidónia) bem como de vários programas radiofónicos, com comum temática humanística. Ainda em Compostela, publica seus primeiros textos poéticos, na revista universitária Ólisbos, pelo final dos anos 80 e, em breve, sob a mão do grande editor Paco Souto, publica em várias antologias coletivas. Durante os anos 90, já a morar na Corunha, faz parte do grupo poético Hedral; com este coletivo lança a antologia 7 Poetas / Corunha 1995. Nesse mesmo ano, de 1995, publica o poemário O Círculo Escarlate, posteriormente, no ano 2015, o livro Sefer Sefarad, e já no 2017 o livro de poemas O teu corpo a oriente e ocidente. Ganha, entre outros, por duas vezes o prémio nacional galego de poesia da Associação Cultural O Facho, da Corunha, e fica finalista, com o livro Sefer Sefarad, do prémio internacional da Lusofonia Glória de Sant’Anna de 2016. Foi colaborador da revista Palavra Comum, do jornal A Nossa Terra e do blog literário O Levantador de Minas assim como do Observatório Galego da Lusofonia, pertencente ao Instituto Galego de Análise e Documentação Internacional. Na atualidade reside na Corunha, onde escreve e exerce a advocacia. O seu trabalho poético foi causa, passou a ser meio e veio a ser companheiro do exercício duma outra arte –esta obscura de viver– ao mesmo tempo maior e menor.
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