Erika Jâmece e Estela Jorge Tarrío na Faculdade de Filologia da Universidade de Santiago de Compostela
No mês de abril inaugurou-se na Faculdade de Filologia da Universidade de Santiago de Compostela a exposição Obras de capa, apresentada pela sua própria autora, Erika Jâmece. O projeto surgiu a raiz da ideia de representar na capa da revista Descendências Magazine doze obras diferentes, uma por cada mês do ano de 2021 como modo original de promoção de uma artista e do seu trabalho. Uma vez finalizado o ano, iniciou-se uma exposição que pretende agora ser itinerante e percorrer várias comunidades lusófonas, despertando o interesse do público não só do ponto de vista das pinturas realizadas como dos breves textos compostos em língua portuguesa que as acompanha.
Angolana de nascimento, Erika Jâmece é conhecida também pela alcunha de Rainha do Hongolo e precisamente Hongolo é o nome da marca de bijuterias que ela dirige, pois “em cada exposição, cada evento aonde eu vou, sinto que tenho uma coisa diferente que faço para essa ocasião, um colar, uns brincos, uma coisa qualquer que me identifica como artista e feita por mim… muita gente me diz: Erika, quando tu chegas pareces o arco-íris, que é uma forma de dizer que a alegria chegou”, conta-nos em entrevista em Santiago de Compostela.
Erika pretende preencher a sua obra de cores que suscitem alegria e vibrações positivas. Concretamente a sua colaboração na Descendências Magazine nasceu a partir de um convite para desenhar as capas da revista durante o ano 2021. No início ela até pensou que podia utilizar alguns trabalhos que já tinha realizados, mas não foi assim: após refletir no projeto, compreendeu que as obras tinham de ser concebidas especificamente para esse projeto. Contudo, confessa que não foi difícil. Um dia começou e tudo fluiu: “Fiz a primeira obra para janeiro, o janeiro puxou fevereiro, fevereiro puxou março e assim consequentemente eu fiz as doze obras em contos, histórias da minha infância, coisas que até eu não lembrava, mas que foram saindo naturalmente”, afirmou a autora.
Nas obras une-se pintura e língua portuguesa, pois os textos que acompanham os desenhos são utilizados para contar uma história desenvolvida ao longo de doze meses. Erika Jâmece explica que esta união “é uma coisa natural que foi saindo para o conhecimento, para o estudo daquilo que é a minha obra daquilo que é aquela obra específica daquele mês”. Neste sentido, a artista aproveitou para pôr o foco na importância do conhecimento, do intercâmbio cultural e da própria língua portuguesa, especialmente nos países em que, embora se estude, não se fala de forma geral: “Eu tenho a minha gíria do português a partir do kimbundo, a forma como falo e como pronuncio […]. Em Angola há uma forma particular de falar, há uma coda específica que se fala em cada lugar: Moçambique, Portugal, São Tomé, Guiné […]. É interessante o intercâmbio de conhecimento da língua enquanto regiões de cada país”.
Erika Jâmece, insistindo na relação entre obra e texto, ainda sublinha “Uma puxa outra. Claro que primeiro surgiu a obra, o texto foi naturalmente. Olhando para a obra fiz a descrição desta […] recorro à mitologia nas doze. Acho que também ponho conhecimento de regiões, especificamente onde eu fui buscar mitologias: no norte de Angola, as figuras do pasto, as figuras na areia… Está também essa parte rica de que eu vou conseguir inspirar outras pessoas, não só amantes da arte, amantes da escrita…”.
Quanto artista, com a sua técnica foge de cânones mais convencionais, o que faz com que tenha de procurar inspirações doutros modos: “Tento em cada obra buscar contos de histórias verdadeiras de Angola, especificamente algumas de Luanda, onde eu nasci e para eu também conhecer a minha terra, a minha trajetória, o que é que se faz, o que é que se fala, acho que é essa parte rica que eu queria passar nessas obras para as pessoas conhecerem […]. Para mim foi muito fácil a sequência delas e não houve travas para a criação de cada obra”, contou Erika.
Obras de Capa constitui uma sequência em que a primeira obra trata sobre o Kanjinvi, um pássaro que nasceu de uma pássara que era a mais velha de Angola. Kanjinvi quer dizer ‘filho da velhice’ e quando uma mãe pensa que está a chegar a menopausa e que já não vai ter filhos, de repente fica grávida. E o filho que nasce recebe esse nome. Apesar da emotividade desta primeira pintura, a sua preferida é a que trata do acasalamento, momento no qual o Kanjinvi encontra uma fêmea da sua espécie e escolhe-a para acasalar (obra do mês de abril).
Para alem deste projeto, a Rainha do Hongolo desenvolveu, entre outros, Elas expõem. Conexões, cores e formas, que começou a partir de um sonho da própria artista, mas que, por enquanto, está parado. Consiste em convidar uma artista local (seja conhecida ou não) de uma ou outra província de Angola a expor as suas obras, tendo como ponto central Luanda. Fora de Angola, o primeiro país anfitrão foi Portugal, onde se fez a primeira exposição em 2014, no forte de São Jorge de Oitavos em Cascais.
You might also like
More from Artes
Dominica Sánchez no Principal de Còrsega | Lito Caramés
Unha artista especial, de longo percorrido, como é Dominica Sánchez presenta agora as súas creacións nun espazo singular, o piso-galería …
Manuel Outumuro: Lembranzas de infancia e profesionalidade | Lito Caramés
Outumuro, O Retrato da Ausencia As imaxes que na infancia se gravan nos miolos sobreviven lúcidas perante décadas. Nas salas da …