Era o lançamento de um livro de poesia, numa terra do interior. Na sala cheia de público, as entidades municipais, a autora e a editora já haviam feito os discursos da praxe, aos quais se seguiam momentos de leitura da obra acabada de nascer, pelos amigos da poetisa, também quase todos poetas e que tinham vindo de longe para o evento. A quarta a exercer essa função, embora ainda nova e de aspecto maciço e vigoroso, ao contrário dos restantes realizou-a sentada, para isso tendo pedido uma cadeira, logo disposta por mãos solícitas junto à mesa de honra. Mais leituras houve, de outros, até que a tarefa lhe coube de novo. Sentiu ela então necessidade de justificar a estranha atitude, confessando que, nervosa por natureza, em ocasiões semelhantes ou deixava cair os óculos ou o livro ou quase tombava ela própria e que por isso se defendia de prováveis desgraças desta natureza, preferindo ler sentada. Foi nesse momento que se ouviu fortíssimo estalo que ecoou estranhamente no silêncio da sala. Rachara-se o plástico da cadeira, que logo se desfez em pedaços, a leitora caiu de pernas para o tecto, os sapatos de salto alto voaram pelos ares e todos os que estavam nas filas da frente viram que a sua cinta era cor de salmão, que não depilava as pernas dos joelhos para cima e que tinha um buraco no calcanhar da meia esquerda.
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Joaquim Saial (1953, Vila Viçosa, Portugal) é mestre em História da Arte e licenciado em Ciências Humanas e Sociais e em Serviço Social. Bolseiro da Fundação Calouste Gulbenkian e docente dos ensinos médio e Superior (Instituto de Novas Profissões e Universidade Católica Portuguesa), publicou “Estatuária Portuguesa dos Anos 30. 1926-1940” (1991): “Manuel Gamboa. A Arte por Vida” (1998); “Capitania, Romance de Cabo Verde” (2001); “Seixal. Arte Pública” (2009) (livros esgotados) e “Poemas para a Hora de Ponta” (2020). Participou em outros oito livros e escreveu centenas de artigos em publicações de Portugal, Cabo Verde, Espanha e Roménia e em catálogos de arte. Realizou dezenas de palestras sobre arte, cultura e história e diversas outras actividades, na área da cultura e das artes, em Portugal e no estrangeiro. Foi director da revista de cultura “Callipole” (Vila Viçosa), onde escreve há 26 anos e é cidadão honorário da Ribeira Grande de Santiago, Cabo Verde. É autor dos blogues “Ibn Mucana” (poesia) e “Textos da Tinta Permanente” (prosa).
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