O poeta José Augusto Aires Torres nasceu na freguesia de Parada do Pinhão, concelho de Sabrosa (norte de Portugal), a 18 de Março de 1893, e faleceu no Porto, a 10 de Fevereiro de 1979.
Das suas primícias literárias pouco se sabe. O primeiro poema de que há conhecimento, intitulado “A Fogueira na Montanha”, foi publicado na revista portuense A Águia, em 1923. Por essa altura, já Teixeira de Pascoaes abandonara a direcção da revista e se refugiara no seu belo solar de S. João de Gatão, em Amarante.
Em termos estéticos, José Augusto Aires Torres, como tantos outros, era então um poeta comprometido com a “Renascença Portuguesa”, a sociedade literária que Pascoaes criara em 1911 e que agregaria homens de grande estirpe intelectual e artística, casos de Leonardo Coimbra, Jaime Cortesão e António Carneiro.
Dois anos depois de ter visto publicado o referido poema, Aires Torres dá à estampa o seu primeiro livro a que chamou Inquietação. Com uma capa “modernista” de Octávio Sérgio (reproduzindo um retrato do autor), o livro teve um acolhimento caloroso, sobretudo na imprensa do Porto. “Poeta da Montanha” lhe chamou o Jornal de Notícias. Ninguém como Aires Torres, dizia este jornal, sabia “exteriorizar a imensa agonia dum poente – a tragédia alucinante e esmagadora do crepúsculo na montanha”. Embora fosse “o grande poeta ignorado”, Aires Torres (concluía o JN) era “o Poeta da Raça que a geração nova esperava”.
Em Inquietação (escrevia Ernesto de Balmaceda no diário portuense A Tribuna) havia “ritmo e forma”, revelando “uma personalidade literária inconfundível”. Alexandre Pinto, que escrevia em A Montanha (outro diário portuense e grande rival de A Tribuna), afirmaria que os versos de Aires Torres eram as “fotografias duma sensibilidade rebelde” de um poeta que “venceu”.
Em Lisboa, cidade de gente habitualmente distraída, o jornal A Informação dizia que Aires Torres, “um poeta do norte”, era “completamente desconhecido” na capital. O anónimo autor do artigo não deixaria, porém, de confessar que se tratava de “uma das mais belas sensibilidades” da sua geração. Daí lamentar que a crítica não tivesse exaltado, “como devia”, esse seu primeiro livro.
Ainda em Lisboa, o jornal católico A Época, pela pena de José Agostinho, alongar-se-ia um pouco mais na apreciação ao livro. Inquietação, dizia, tinha “alma, vibração, arte quase perfeita, movida sem desvario”. É certo (continuava José Agostinho) que Aires Torres não era “tão sóbrio e profundo como Francisco Costa”, não tinha “a inspiração cândida e singela de Campos Teixeira”, era “incapaz de trovar como Pires Antunes”, nem dispunha da “auspiciosa concisão de Henrique de Paço de Arcos”. O seu defeito maior, porém, era “a vibração duma sensualidade como que íntima, estrutural”, que lhe restringia “os melhores voos espirituais”, o que era uma “pena”. Se Aires Torres “perdesse a preocupação do super-hominismo”, que estava “desacreditado”, “alçando-se e purificando-se no optimismo cristão”, conquistaria desde logo “uma influência decidida”. José Agostinho não entendeu que o caminho que aconselhava a Aires Torres, comparando-o (se exceptuarmos Paço de Arcos) a alguns poetas que não deixaram qualquer rasto nas letras portuguesas, era justamente o único que um homem com a sua cultura, carácter e talento jamais seguiria.
Após a publicação de Inquietação, foi longo o silêncio poético de Aires Torres, apenas quebrado momentaneamente, em Novembro de 1927, com a publicação do poema “À Carga”, que circulou clandestinamente. Em 1946 aparecia, finalmente, o seu segundo livro intitulado Anda às voltas o Mundo. Editado pelas Edições Marânus (uma editora portuense que sucedera à Renascença Portuguesa), apresentando na capa um desenho de Fernão, filho de Aires Torres, o livro teve um acolhimento entusiástico na imprensa e nos meios culturais portuenses.
“Fulgurante mensagem de fraternidade”, dizia Costa Pereira na revista Portucale. “Ocaso de alma, ocaso íntimo e tão dramático que foi composto aos gritos – um protesto veemente de quem se vê roubado no seu sonho”, replicava Narciso de Azevedo na revista Prometeu. No diário O Primeiro de Janeiro, Jaime Brasil via nesse livro uma obra decantada “pelo tempo, pela meditação, pela dor, pela vida”. Para o Jornal de Notícias, tratava-se de um livro de “dramática sinceridade”, um autêntico “breviário” que reavivava, “iluminando de chamas redentoras, a tradição antiga”. Por sua vez, O Comércio do Porto sublinhava a “cristalina pureza” desses poemas, tanto “na forma, como no pensamento e na intenção”, que faziam de Aires Torres “o paradigma do verdadeiro poeta”. Estes jornais, a que se juntavam o Diário de Lisboa e as citadas revistas literárias portuenses Portucale e Prometeu eram unânimes nos seus juízos: Aires Torres era um “poeta extraordinário” e Anda às voltas o Mundo a sua obra de consagração.
Esperava-se que, após esta calorosa recepção, novos livros pudessem surgir. Puro engano. Aires Torres remeter-se-ia de novo ao silêncio e (que se saiba) só viria a publicar alguns poemas em finais da década de 50 e um ou outro já na década de 60 num periódico local, O Jornal de Felgueiras. A partir daí, um manto de névoa abateu-se sobre a sua vida e a sua obra.
Em termos de influências literárias, O Primeiro de Janeiro, no livro Inquietação, via na expressão do panteísmo de Aires Torres “ecos da profunda, reveladora poesia de Mário Beirão”. Nesse livro repercutia-se também “um pouco do delírio” de Mário de Sá Carneiro, um poeta que este diário portuense considerava um “destrambelhado de extraordinário talento”.
O Jornal de Notícias preferia sublinhar a originalidade de Aires Torres: “a sua arte era a sua arte”. Porém, se houvesse que lembrar alguém seria a Pascoaes, “outro fervoroso irmão da montanha e do sol”.
Em Anda às voltas o Mundo, o Diário de Lisboa notava influências de Junqueiro, sobretudo “pela escolha dos assuntos”, pelo “valor onomatopaico dos timbres” e pelas “antíteses dramáticas”.
Se é certo que nos momentos iniciais da poética de Aires Torres se revelam alguns compromissos com a estética saudosista da “Renascença Portuguesa”, parece-nos que deverá olhar-se para outras escolas e outros poetas para compreender a sua complexidade. Desde logo para a influência de António Nobre. Tanto em Inquietação, como em Anda às voltas o Mundo, os exemplos abundam: basta estar-se atento às palavras e expressões (uma vezes directas, outras subliminais) que Aires Torres aí utiliza com frequência. Não se pense, porém, que há nesta prática qualquer tipo de plágio, nem qualquer diminuição do valor intrínseco da sua poesia. Nada disso. Há, isso sim, a consciência de que os caminhos abertos por António Nobre eram ainda um meio eficaz para atingir os mais fundos territórios da alma humana.
Aires Torres foi um poeta de muitas e variadas leituras, como decorre de uma observação atenta da sua obra. Leu, sem dúvida, Junqueiro, Nobre, Pascoaes e Mário Beirão. Mas também seguramente, João de Barros, Cesário Verde, Mário de Sá Carneiro e Fernando Pessoa. Em Anda às voltas o Mundo há, aliás, um poema (“O Reino deste Mundo”) que é uma espécie de resposta ao poema “Nevoeiro”, o último do livro Mensagem, de Fernando Pessoa.
As leituras de Aires Torres não se ficavam, porém, pelos poetas. Alguns dos seus poemas reflectem outras influências. Por exemplo do romance Emigrantes, de Ferreira de Castro, no poema “Evadidos” (Anda às voltas o Mundo). Também o romance Quando os Lobos Uivam, de Aquilino Ribeiro, lhe suscitaria a escrita do poema “O Rebanho”, que destinou a O Jornal de Felgueiras e que a Censura, atenta, não deixou publicar.
A fase final da poética de Aires Torres é, sem surpresa, influenciada pela estética neo-realista. Não deixa, porém, de reflectir a angústia, a revolta e a solidão interior deste poeta, “estados de alma” tão caros ao movimento expressionista, que revelam (se bem julgamos) uma última e decisiva influência: a de Raul Brandão.
Em 1913, no célebre poema “Hora Absurda”, Fernando Pessoa escreveu:
…Sou a Hora,
E a Hora é de assombros e toda ela escombros dela…
Este poema motivou uma conhecida obra de Mário Sacramento escrita em 1953, na prisão de Caxias, intitulada Fernando Pessoa, Poeta da Hora Absurda. Com a mesma propriedade se poderá também classificar Aires Torres como “Poeta do Tempo Absurdo”. Olhando para trás, talvez não haja outro adjectivo mais apropriado para designar o tempo em que viveu: um tempo de “morte lenta”, um tempo “de mentiras, de crimes, de água benta”.
Em Aires Torres, como escreveu José Carlos Seabra Pereira, há uma “insofismável vocação poética”, a quem “não escasseia a criatividade imagística”. A sua Obra Poética, reeditada em Novembro de 2007, aí está para que os mais cépticos o possam comprovar.
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