Árvore de mil folhas que me dóis
– I –
O idioma dos galegos
poderá ser varrido
da nossa terra mais umha vez.
Mas a vitória final já é nossa
porque sobrevive forte
fora do alcance dos inimigos da nossa raça.
O velho goidélico dos nossos antergos
foi sementado em Erinn
e logo em Alba
e ainda se escuita
miúdo mas fermoso
c’o nome tam nosso de gaélico.
E a língua que hoje se dessangra na Galiza
corre brava por quatro continentes
c’o nome de português,
filho e irmao do nosso mesmo falar.
E assim é que nunca morre
a língua que nos matam,
porque irlandeses, escoceses,
portugueses, brasileiros,
asiáticos e africanos
ainda dam nome ao seu mundo todo
co’as verbas que inventarom os galegos!
– II –
Cada palavra que falo
nesta língua dos meus antergos
é um manguito feito
à memoria dos que tanto
figérom por submetê-los.
Cada palavra que falo
nesta língua dos devanceiros
é um cuspido na tumba
daqueles que tentarom fazer-nos outros.
Cada palavra que falo
nesta língua dos meus velhos
é um pau posto na roda
dos que nos ignoram tendo-nos diante.
Cada palavra que falo
nesta língua que é minha
é um berro de orgulho
no meio dum calado mundo de néscios.
– III –
Quero retirar-me a umha cova
até aprender de memória todas as palavras que vos roubarom
e enterrarom na fossa comum da infâmia.
Porque vo-las arrincarom da boca
e porque eu ainda afogo nesta imensa hemorragia,
porque tenho de mas reenxertar todas,
vou-nas dizer arreio;
e direi “arreio” e mil pedradas mais
que cuspirei ao seu passo
como bolboretas com asas de coitela,
para que rachem o veio da terra
e surjam dos seus cadaleitos
os anacos de mundo que vos quitarom.
– IV –
O que sou,
o que me ando a buscar, a compreender,
está agachado em forma de complexa adivinha,
quebra-testas que hei de armar
c’os significados das palavras intraduzíveis
que sabiam os meus avós.
O mapa que me leva a mim,
o único espelho onde me ver completo,
está esperando por mim
nas mil folhas dessa árvore: num dicionário de galego.
Nota: Este poema foi proposto em 2008 para um livro compilatório que supostamente o coletivo Redes Escarlata havia editar e do que nunca mais se soubo. Neste 2023, no que celebro os 30 anos como neofalante de galego, situo-me mais perto do reintegracionismo que do isolacionismo que aquele coletivo representava e daí o meu desejo de celebrar este aniversário de compromisso pessoal com a nossa língua publicando-o nesta outra grafia. Agradeço a Palavra Comum a oportunidade para o fazer.
❧
Manuel Casal Lodeiro, (a) Casdeiro, é filho da diáspora galega, nascido em Biscaia em 1970. Aos 7 anos diz que pediu a seus pais para lhe falarem na língua que eles usavam: o galego. Aos 23 anos botou-se a falar aquele idioma e a aprofundar na sua galeguidade graças ao contato online com outra gente da Naçom Mundial Galega. Foi o criador e responsável pelo maior centro galego virtual do mundo, Filhos de Galiza. Agora reside na Galiza, coordena o Instituto Resiliência, escreve poemas, relatos, artigos e ensaios principalmente sobre o colapso da civilizaçom industrial e mais o Decrescimento, ao tempo que tenta retomar a ancestral relaçom com a terra e transmitir à sua filha um combativo amor à Vida. Mais em: http://www.casdeiro.info
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