Mulher-ascendente
Urge o teu retorno, mulher-criatura
Do princípio das eras, do âmago.
Urge a tua liberdade, a tua voz
Abafada pelos ditadores do mundo.
Urge tempo consagrado a ti mesma,
Mulher criadora de marés e ventos,
Espírito galáctico de amor,
Na sua dança circular, maior
Do que os limites de qualquer sistema.
Urge o teu regresso, ó mulher-poema
Vinda dos campos, vinda do espaço,
Proferindo versos não programados
Contra a hipocrisia de quem corrompe
A liberdade, a justiça, o respeito.
Urge a sinapse, o salto, a catapulta,
A transformação desta vida bruta:
Acordar não pode ser um martírio
Transmitido em direto nos aquários.
Urge o teu Verbo, só reverberado
Num regaço de mãe, após o parto.
Assim, enquanto não gritas, o teu nome
Vai constando nos autos, nos jornais,
Nas redes pesqueiras de vãos perfis:
“Vítima de homicídio”, de violência,
Morta na estrada, em casa, em decadência.
Assim, enquanto em ti dormir a Deusa,
O desnorte é um quotidiano demente
na bruma que trazes ainda suspensa.
Desse nevoeiro secular, novos genes
Trazem links de vitória e de mudança
Que dentro do teu ventre esperam vez:
Que nasçam Pioneiras e não Primevas,
Que sejam mais Elas e não as Evas
Pecadoras, culpadas e então expulsas
Dos paraísos que havia dentro delas.
A cada mulher cabe uma cambiante:
Água que lhe lave o curso da história,
O curso da mente, o semblante pesado,
Água de rosa que no rosto avive
A curva expressiva e rubra, ascendente.
Marília Miranda Lopes
*
foto de capa por @Matheus Bertelli
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