Rita Pupo por Luís Aguiar
Fazer da ESPERA uma espreita-leitura kairótica
Rita Pupo penetra nas sonoridades múltiplas e errantes das fissuras dos sentidos a invadir o inóspito e a envolver tempos hesitantes do silêncio para possíveis descodificações de uma diafaneidade de limiares que se infinitizam ao capturarem imagens desviadas das palavras, fracturando-as por meio de vozes-múltiplas e intrusivas, criando distâncias e tecendo espessuras para serem escutadas com outras dimensões filosóficas, plásticas, respiratórias. Rita Pupo escorcha e turbilhona as variações do sensível da língua e a arremessa para a reentrância da autonomia vibrátil de um leitor-náufrago a misturar falas, visões, imagens e palavras para se desabrochar por meio de um avesso. Rita Pupo nos mostra estranhamente sintomas violentamente subtis a renovarem-se entre quedas, falhanços, obliquidades sensóreas, movimentos de retorno, presenças esquivas, percepções abismadas, diferenciações quiasmáticas, jorros afectivos e aglomerados de incisões esfíngicas-cinemáticas. Ritmos problemáticos dentro de mosaicos velozes e lentos, exigindo do leitor uma assimilação intensiva e subvertedora do real, uma cegueira verbal por meio de nuances de espelhamentos rítmicos e de escutas suspensas no próprio desastre germinativo das palavras onde por vezes o recomeço é uma ferida a crivar transbordâncias de limites e vozes anómalas im-perceptíveis. ATIRAR UM OSSO À ESPERA nunca se subordina à Rita Pupo, caotiza musical e cruelmente as suas próprias ruínas, traduz-se a si-mesmo, inscreve a língua nas suas bifurcações in-criadas e torna-se uma prática de insurreição sígnica, por isso, estiliza composições tensionadas de um entre quase-desconhecido através das micropercepções das palavras que se sensorializam ao inventarem topologias refractárias do pensamento-rupturas-do-corpo com vizinhanças de estranhezas turbulentas e vitralizadas. As palavras jogam com a própria transmutação geradora de eternidades a coexistirem com instantes expressivos e fendem-se com encontros extremados de pré-catástrofes conceptuais, de desvios de visões moleculares para escarificarem o visível insituável que tenta ludibriar a morte e a desaparição com a carne aberta de um roubo do impossível. A estética da diafaneidade que atravessa a construção inominável de ATIRAR UM OSSO À ESPERA esculpe rigorosamente o acaso com interstícios dos cruzamentos de múltipas danças afectivas gerando rastos intempestivos, transduções insaciáveis e mónadas de esboços de mapas intermitentes e por vezes espiralados por cartografias inéditas suspensas no fascínio do vazio. Todas estas forças paradoxais e acentradas impulsiona-nos para uma hapticidade mutante a contactar o assombro gerado pelas espessuras dos acasos a embaterem no tempo acronológico da experimentação. É na musicalidade impiedosa das travessias anorgânicas que as palavras em desmanche respiram com visões ininterruptas por dentro de pensamentos a impelirem renascenças rítmicas nas decifrações muitas vezes fora do verbal e com bordas indefinidas. Aqui, dentro e à volta do ATIRAR UM OSSO À ESPERA, o quase-intraduzível abre visões, alvoraça imagens a embaterem nas palavras transmutadas em fundos expressivos, criando sublevações sígnicas na síntese insituável do tempo através de uma voz a escavar a consistência do silêncio e do anónimo para se tornar indeterminável, autotrófica, sim, viva porque fracassa exultantemente, diferenciando-se ao nos transpotar para o desconhecido e para o horror. Rita Pupo testemunha o silêncio e o vazio com a violência acósmica de hiatos de uma palavra em esgotamento singularizador de uma duração-como-alteridade onde as matérias que intensificam as palavras se esculpem a si-mesmas e simultanemente através de sentidos instáveis das zonas de passagens de uma voz inactual a interrogar o silêncio da demesura de um real intuitivo: um DOM-DIÁFONO pleno de chamamentos de uma fala incessível a buscar um ferimento com os ecos de outra voz por acontecer no próprio espectro de uma visão-audível e dentro de uma palavra a recomeçar ritmadamente na animalidade das suas possíveis devorações. Há no tempo não pulsado de ATIRAR UM OSSO À ESPERA uma diferenciação flutuante que além de despedaçar as palavras, as desertificar e as esculpir com novos povoamentos e novas tensões internas por meio de processos larvares, nos arremessa para a mistura plena de sensações de uma composição poética: uma visão a mergulhar no inapreensível, uma plasticidade da língua-sensórea, um “lugar de enunciações” a mover-se através da crueldade rítmica do impensável. Por vezes, o respiro-cetáceo destes poemas é lido-absorvido pelas mãos de Denis de Rougemont entrelaçadas com a mão de Giacometti de Godard. Para ler ATIRAR UM OSSO À ESPERA há que “pegar o mundo pelo escalpe”!
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