CERVERÍ DE GIRONA (…1259-1285…): Si nulh temps fui pessius ne cossirôs (tradução de Graça Videira Lopes)
Si nulh temps fui pessius ne cossirôs sirven Amors, ni.n perdei mon cabdal, sufren pena, tormen, trebalh e mal, ne.m tengren dan maritz ne fals gelôs, er m’adutz jói, qu’ésser no.m pot vedatz, us gentils cors, adreitz, gras e delgatz on es Jovens e franc’humilitatz. E s’ausés dir qual domna.m te joiôs, ne com m’a fi, humil, franc e leial, e.m din soven, ab mant sospir coral, baisan: «Amics, quan eu no sô ab vos muír desiran, e pus pres mi·us lonhatz, del revenir vos clam mercê viatz», estortz fora, e·mos clars di vertatz. Eras dirán lausengér envejôs qu’eu dic fenha, a lei de desleial; mas pus midons m’o perdô, no m’en chal, car ma raizô tenrán tuit l’amorôs; qu’eu dic que quan vau lens e apesatz, pesan vei lei e sas plazens beutatz, que·m ditz plazers ab ditz enamoratz. E tenria lo rei per enuiôs si·m sonava quan faç tan douç jornal, ne·m tocava, qu’eu no n’ai plazer d’al; ans fora mortz si.1 pesamen no fos. E dic a cels qui.m dizon: «Que.us pessatz, . En Cerveri? Ajâm qualque solatz!», «Lachatz m’estar, sènher, que coblas fatz!.» D’aitan me tenc per ben aventurôs, car çó qui notz als altres a mi val; e no vis mais nulh trobador aital, ne qu’en durmen fezés vers e chançôs; qu’en durmen fo aicest chans començatz, per que non es ab motz prims ne cerratz ne·i er per me sôs ne motz esmendatz. Pus en durmen e pesan gen pessatz, Na Sobrepretz, de me velan, si·us platz, prec que pessétz, ó que tost m’auciatz. De la Dona-dels-Cardos sui paiatz, e del Enfan, quan pres lui m’assolatz. |
Se alguma vez estive pensativo e absorto servindo Amor, e perdi o meu cabedal, sofrendo pena, tormento, trabalho e mal, receando maridos ou ciumentos falsos, ora me traz alegria, que não me pode ser vedada, um gentil corpo, perfeito, são e delgado, onde residem Juventude e franca humildade. E se ousasse dizer qual dona me tem radioso, ou como me faz humilde, franco e leal, e me diz muitas vezes, com suspiros sinceros, beijando-me: “Amigo, quando não estou convosco, morro desejando, e quando vos afastais de mim, vos peço, por mercê, que depressa volteis”, sairia, das minhas claras palavras, a verdade. Agora dirão os maldizentes invejosos que digo mentiras, como qualquer desleal; mas, pois minha senhora mo perdoa, não me importa, pois todos os amantes minha razão sustentarão: que eu digo que, quando ando devagar e pesadamente, no meu pensamento a vejo, na sua graciosa beleza, dizendo-me coisas deleitosas com palavras enamoradas. E teria o próprio rei por importuno, se me chamasse quando faço tão doce jornada, ou me tocasse, pois não tenho prazer em mais nada, antes estaria já morto sem pensamentos tais. E digo àqueles que me dizem : “Em que pensais, D. Cerveri? Tenhamos algum recreio!” “Deixai-me estar, senhor, que faço versos”. E por isso me tenho por bem aventurado, pois o que desagrada aos outros a mim me vale. E nunca haveis visto um trovador tal, que, dormindo, fizesse versos e canções; que dormindo foi este canto começado, pelo que não tem palavras subtis ou fechadas, nem por mim serão música ou palavras emendadas. Pois dormindo e pensando gentilmente pensais, Dona Sobrevalor, em mim, acordada, por mercê, vos rogo que penseis, ou que logo me mateis. Da Senhora-dos-Cardos39 estou satisfeito, e do Infante, quando junto dele me recreio. |
Notas
39 Trata-se da viscondessa de Cardona, Sibila de Ampúrias.
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