Há anos que venho colaborando com algumas instituições na coordenação de clubes de leitura. Coordenar, neste caso, significa tentar suprir a falta de aparato teórico quando necessário, de um modo intuitivo e sem prejudicar o natural percurso reflexivo sobre as obras literárias. Porque, em casos como o Clube de Leitura de Arteijo, nascido ao abrigo da galega Biblioteca Henrique Rabunhal, já partiam de um processo de participação muito claro; só precisavam, e assim me fizeram saber, “aprender qualquer coisa”. Eu imediatamente percebi que apenas desejavam conhecer quaisquer ferramentas teóricas para poderem “debulhar” melhor o valor estético e humano do que liam.
As boas obras literárias oferecem-nos uma particular interpretação do mundo, e dado que foram escritas para nós apenas com a experiência que temos da vida devemos é poder fazer uma interpretação proveitosa. Proveitosa para nós, pois não há outro objetivo maior. No entanto, é comum mostrar certas inseguranças, como a necessidade de consultar a crítica antes de nos atrevermos a falar, ou não sabermos aonde podem chegar as interpretações de uma passagem específica. Chegados aqui, eu sempre argumento que a coisa é mais simples do que parece: os limites de um discurso interpretativo estão no próprio texto, na prudência de argumentar nos apoiando no que figura literalmente nele. Todas as interpretações são válidas, portanto, se bem argumentadas e apoiadas no que foi escrito.
O facto de interpretações diversas serem aceitáveis, longe de tornar o processo hermenêutico mais complicado, abre um leque de possibilidades que nos liberta da verdade monolítica e nos faz encontrar-nos com a autêntica verdade, que dizer, aquela que poderíamos definir a nascida de uma visão poética da vida. Se lembramos que “poesia” significa ‘criação’, perceberá-se melhor que cada interpretação é uma criação —mesmo a interpretação da própria autora— e que uma nova interpretação pode bem ser compatível com as anteriores, e ainda enriquecer sua gama de cores. Porque a verdade é única e ao mesmo tempo diversa, de tal modo que só através de uma imagem poética pode ser exprimida. Isto pode explicar-se através da alegoria de uma árvore que, possuindo um tronco único e aprofundando suas raízes na terra da experiência vulgar, ergue seus ramos em várias direções e oferece ao observador uma paisagem quase infinita de folhas e frutos que muda dependendo do ângulo com que se observe.
Toda esta riqueza interpretativa, tanto a da autora quanto a das leitoras, portanto, liberta-nos porque nos mostra uma nova e sempre possível interpretação da vida. E isso tem mais valor do que por regra reconhecemos, já que a vida que vale a pena viver é uma contínua transformação do de dentro e de fora, facto ao que certamente nos poderemos adaptar melhor se através da literatura e da arte praticamos uma visão poética da vida.
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