O passado 21 de Julho foi apresentado o documentário Porta para o Exterior na Livraria Berbiriana da Cidade Velha da Corunha, belíssimo espaço de encontro para os que acreditamos firmemente no erradamente chamado reintegracionismo (pois deveria ser chamado simplesmente integracionismo). Houve visão do trabalho, aplausos para os que o fizeram e comentários de todo tipo.
Na minha condição de velho a quem se lhe deve perdoar tudo, falei e disse que há por volta de cinquenta e cinco anos que descobri uma língua negada aos que nascêramos espanhóis: o português; mas que a descoberta fora peculiar pois à minha mão chegavam então livros de aventuras da selva imensa do Brasil.
Também contei que em 72 fui trabalhar em Lisboa e ao pouco entrava em contato com o professor Manuel Rodrigues Lapa; e como, passando o tempo, tive a sorte impagável de receber lições tête-à-tête de Lapa, Carvalho e Guerra da Cal, a tríada de professores mais odiados pelo establishment espanholista da Galiza (no que incluo notórios “galeguistas”).
Assim foi, e com essa bagagem cheguei ao momento histórico da Lei de Normalización Lingüística e às guerras fratricidas que conduziram ao que mais me preocupa na atualidade. Volvendo ao documentário, admito que hoje há na Galiza um ambiente bom para a gente do geral aceitar o que eu já aceitei há onze lustros; um fato é a unanimidade do Parlamento Galego sobre a Iniciativa Legislativa Popular Valentín Paz Andrade. Qualquer galego minimamente viajado e lido reconhece que o português é um dialeto –com Estado (melhor dito, com estados)– do galego histórico, altamente rentável para adquirir conhecimento e fazer negócios.
Ora, para mim o problema quanto à confusão linguística no Impaís Galego neste momento não é tanto do ódio ao próprio e ao imediato (galego e português) como da dissolução do galego no castelhano de maneira que, com independência das grafias, o escrito não vá ser inteligível pelas pessoas às que os galegos universalistas se quiserem aproximar.
Tem-se argumentado com todo tipo de razões que o passo da grafia “demótica” (definição do professor Ricardo Carvalho) do galego à integradora dar-lhe-ia ao escrito uma projeção para além do Minho e dos mares. Carvalho e Guerra da Cal trabalharam nessa ideia (vejam-se as suas obras em destaque. Pense-se na versão dos poemas galegos de Rosalia feita por Guerra). Contrariamente, Rodrigues Lapa sempre me recomendou escrever com morfologia portuguesa e esquecer o galego salvo para “pérolas enriquecedoras” (todas elas, vozes abandonadas pelos portugueses; alguma, viva no Brasil).
Muito bem. Mas o problema de verdade é que, graças aos média produzidos em Madrid, em toda Espanha impôs-se uma língua nova que penetrou no galego e está a dar cabo dele (como a RTP impôs em todo Portugal o lisboeta de vogais “engolidas” que não percebem os brasileiros).
Para mim, a batalha está em liberar o galego de excrecências do madrileno cheli antes de fazermos o ridículo de escrever (porque assim se pensaram) frases como “molava-me muitíssimo folhar com essa tia” ou “comeu-se o coco para baixar-se da web o programa”, ou “já tinha levado imenso curro para a casa”…
Nem cheli madrileno nem calão lisboeta (embora o calão surja de dentro do português). Nem aparência “asturiana” do galego nem morfologia portuguesa: “jeito” e “gesteira” sempre se escreveram assim em galego; “falaches” e “dei-che” são as formas galegas, “falaste” e “dei-te”, as portuguesas.
Como fazer? Proponho falar galego livre de gíria madrilena (e de formas exclusivamente portuguesas) e escrevê-lo com grafia etimológica; ou, então, falar e escrever em português normativo, talvez introduzindo nele galeguismos (sem esquecermos o escrito por Guerra da Cal: “Todo o galego está contido no português”).
Nos amistosos petiscos após a apresentação do documentário falou-se de ter conversas com a Administração Galega, as editoriais e os meios de comunicação para lhes mostrar o que se manifesta em Porta para o Exterior. Nesses encontros bem se lhes poderia pedir a políticos, editores e chefes dos média três esforços conjuntos: um em contra do madrileno (que está também a poluir o castelhano), outro para ensinar a grafia galega que desterrou a Lei de Normalização Linguística… como passo prévio, ambos, o de abrir a Galiza ao ensino do terceiro idioma europeu com maior projeção no mundo.
E termino com o comentário dum colega, professor em Aveiro mas nativo de terras de socalcos à beira do Douro: “Eu adoro ler romances dos autores galegos. Só que tanto xis chateia…”
O dito: para a solução do problema, quiçá fosse suficiente com galego em grafia histórica e boa vontade dos lusófonos (não conheço galego culto que se sinta chateado ao ler em português. Faça a outra parte –a portuguesa– um pequeno esforço… e todos amigos).
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