Uma guerra que começa
com uma população a seguir
o arame farpado da falsa democracia.
Uma guerra que enche
um carro de combate
com a carne cega do proletariado.
Uma guerra em que o povo carrega
as poderosas metralhadoras
do liberalismo.
Uma guerra em que o Pai Natal
troca renas por aviões
para repartir bombas
entre as crianças de Ocidente.
Nada há mais eficiente
do que a indústria excessiva
da avareza,
do controlo dos ganhos
face a tanta vida perdida,
tantas vesículas a rebentarem,
tanto gás sufocante
sob as asas de um poder que flameja.
Milhares de soldados morrem
para ganhar um metro de terra
nos poros da fronteira.
Onde os ganhos tirados,
onde os usufrutos dos disparos?
Quem reparará
a rotura dos vasos sanguíneos
de uma sociedade escrava
que luta pelo seu genocídio?
***
Na trincheira, entre lama,
merda e mijos a fio
nem tornam o frio as parasitas
nem faz companhia
a baioneta enferrujada.
A família está muito longe,
muitos anos longe,
muitas vidas longe,
e só resta uma tão negra
ao amanhecer não chegará.
Todo um universo se amostra
no fulgor de uma bomba que cai
abeirada do último hálito,
e entre explosão e explosão
o tempo fica suspenso
ou agoniza definitivamente.
Os minutos são dentes a cair
perdidos no chão para sempre.
O sangue é oiro derramado
que alimenta os prados agrestes.
Após o florescimento da morte
entre as unhas e a carne do medo
nenhuma flor chorará
quando abrir as pétalas ao vento.
Alfredo Ferreiro (em RIBEIRO, João Manuel (org.), Barricadas de estrelas e de luas. Antologia Poética no Centenário da Primeira Grande Guerra, Porto: 2013, Tropelias & Companhia, 13-16. Na antologia participaram também: António Ferra, António Mota, Aurelino Costa, Fernando Costa Branco, Francisco Duarte Mangas, Gisela Silva, João Manuel Ribeiro, João Paulo Cotrim, João Pedro Mésseder, Jorge Velhote, José António Franco, José Fanha, José Jorge Letria, José Viale Moutinho, Luísa Ducla Soares, Maria da Conceição Vicente, Maria Helena Pires, Nuno Higino, Pedro Teixeira Neves, Rui Zink e Sara Canelhas)
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