© Xavier Frias Conde
— Esta casa está totalmente informatizada —explicou o simpático gerente da empresa Férias Domóticas, S.A.— Tem tudo quanto precisar para estar isolada do mundo durante uma semana. Com a sua voz, você ativa tudo. A cozinha prepara os pratos que você queira só com dizê-lo; a piscina põe a água à temperatura que você queira; a televisão prende soa quando você quiser e só tem que dizer o que quer ver que ela soa procura. Repare na maravilha que é isto, que até pode programar os grilos para cantarem à noite e no volume que você quiser. Fique à vontade. Para programar qualquer cousa, só tem que usar este relógio digital que lhe dou. Responde aos mandados de voz. E ninguém a incomodará.
A Susana sorriu satisfeita. Sim, isso era o que ela estava a procurar desde havia tempo. A sua vida de trabalho estava a lhe causar um estresse que ia acabar com ela. Decidiu ficar. Queria estar soa, soa de tudo.
Quando o tipo foi embora, foi para o quarto e deixou a mala aberta em cima da cama.
— Arruma a roupa —disse ela falando para o relógio.
Dos colgadoiros surgiram automaticamente dos armários para colocarem a roupa. Esplêndido. Depois foi para o banho. Ia tomar uma ducha. Disse:
— Água da ducha tépida, a 22 graus.
Asinha o jorro começou cair suavemente.
— Massagem nas costas —pediu a Susana ao relógio.
Um par de mãos mecânicas começaram a esfregar nas costas da Susana como se fosse um autêntico massagista tailandês. Era tão bom…
Depois saiu da ducha e disse:
— Enxuga-me.
Um jorro de ar tépido, mui agradável e com aromas de pinheiro saiu do teito e enxugou a Susana em questão de minutos. Depois foi para a cozinha. Ia provar as maravilhas daquela tecnologia que não parava de surpreendê-la tão agradavelmente:
— Uma limonada.
Ao instante, a cozinha automática debulhou uns limões, espremeu neles e botou o sumo num copo. Estava tão saboroso… E assim, ao cabo venceu-a o sono e adormeceu naquele sofá tão cómodo, em que o corpo afundia, afundia, afundia…
— Quiquiriqui!
A Susana abriu os olhos toda espantada. Não lembrava ter ativado o despertador e menos ainda que soasse como um galo. Se tal, teria posto música clássica, mas nunca um galo, que fazia um estrondo horrível. Ergueu-se do sofá e qual foi a sua surpresa quando viu um galo autêntico a se passear pelo apartamento, todo galhardo, com uma crista vermelha brilhante, como se fosse o senhor daquela casa.
Imediatamente, a Susana falou para o relógio:
— Desativa o galo, desativa o galo!
Mas o relógio mostrava uma soa palavra na pantalha: Error.
Como podia pagar tantos milhares de euros por umas férias num lar domótico e acontecer que o sistema se estraga, permitindo que um galo não responda aos mandados do sistema? Rapidamente, a Susana voltou ao quarto e leu o manual de instruções. Nele dizia que caso houvesse uma falha no sistema, teria que reiniciá-lo. Para isso, o próprio relógio tinha um botãozinho vermelho.
Depois, a Susana voltou ao salão. Já não havia galo. Ainda bem. Problema resolvido.
A Susana passou o resto do dia na piscina, vendo um filme e lendo sentada no sofá. Depois ceou um pôlo assado e foi para a cama, onde ainda leu até adormecer. Sim, definitivamente eram aquelas as férias que ela sempre tinha querido, longe do estresse e soa, totalmente soa.
— Quiquiriqui!
Eram seis da manhã. Não podia ser. O galo? Outra vez o galo? A Susana ergueu-se da cama e correu para a cozinha, que era onde parecia que soara o canto do galo. E justo da que ia pelo salão, esvarou. Bluuuuf! Caiu para o chão. Que era aquilo? Era um cagalhão, um autêntico cagalhão de galinha… ou de galo. Então, o bicho não era virtual, era um galo real que escoara na casa. Como o fizera?
O galo estava no alto da pia, todo farruco, a olhar para a Susana, desafiante. Ela não sabia como agir. Bicaria?
— Quiquiriqui?
A Susana foi ao salão. Disse ao televisor de se prender. Depois pediu para falar com o responsável. Quando o teve diante, em pijama, porque ainda era muito cedo, a Susana:
— Explique-me como é que tenho um galo na casa. Como é que conseguiu entrar?
— Minha senhora, acougue. O seu estresse está a fazer-lhe ver visões. É impossível que haja um galo ali dentro. A habitação está hermeticamente fechada. É impossível que qualquer criatura do exterior penetre no seu lar, impossível acredite. É cousa do estresse, a sério, goze da casa, das suas comodidades. Estou certo que ainda não descobriu nem 30% de tudo quanto pode fazer na casa. E agora, bom dia, minha senhora.
E o tipo desapareceu sem a Susana ter vagar de lhe mostrar o cagalhão que ainda lhe pendurava da bata. E para cúmulo, o galo voltou a cantar, mas já quando a ligação estava fechada.
A Susana cavilou muito sobre quais eram as suas opções. Ela mesma não podia sair da casa numa semana, porque estava assim assinado, salvo em caso de emergência, mas o galo não devia ser tal emergência, portanto teria que resolver aquela situação dalguma maneira. E já sabia como, utilizando os seus conhecimentos profissionais.
Nesse momento disse ao televisor:
— Televisor, quero um mapa dos recursos informáticos deste lar…
Seis dias mais tarde, quando o responsável por Férias Domóticas virou a chave eletrónica que dava acesso para o lar da Susana, encontrou a mulher numa animada conversa com alguém, que lhe respondia com uma voz varonil, enquanto ambos riam as ocorrências alheias.
— Podo entrar? —perguntou o tipo desde a porta.
— Pode, pode, adiante –disse a Susana, que o recebeu em bata e com um copo de vermute na mão—. Um vermutinho?
— Não, gracinhas, só vim para lhe dizer que o seu aluguer semanal já acabou e que…
— Oh, que mágoa, passou-me o tempo voando.
— Mas a senhora está com alguém?
— Estou. Venha, que lho apresento. Eis o Diogo.
O tipo da empresa domótica creu estar a ver visões. No sofá, vestido com um batim, havia um galo com monóculo que sustinha um copo de vermute com uma pata. O galo não se alterou ao ver o homem e cumprimentou-o educadamente:
— Bom dia, como está? É mágoa que tenhamos que ir já embora. Como dizia a Susana, a semana passou voando, e isso que nem eu sei voar.
E aí riram os dous o chiste do galo.
Porém, aí já o responsável pela empresa quis saber como era possível que ali houvesse um galo e que, por cima, falasse!
— Afinal foi muito melhor estar aqui acompanhada do que soa, tem uma conversa tão inteligente. Como ele entrou —explicou a Susana—é algo que ainda não sei, porque o Dioguinho não quer contar, mas quanto à razão de por que fala, hei de lhe dizer que é graças aos componentes informáticos da casa, que o computador central combinou inteligentemente, e à minha habilidade como educadora num infantário, porque esse o meu trabalho; é assim como o Diogo agora fala. Passe-me a fatura dos chipes que usei, não há problema.
— Devia tê-la visto –interveio daquela o galo—. Fez-me comer dúzias de chipes camuflados entre grãos de milho. E depois foi cousa de treinamento. É mui hábil a Susaninha, mui jeitosinha.
Novamente riram os dous, a mulher e o galo.
— Bem, já vou ir fazendo as malas. Dioguinho, tu queda aqui com o senhor.
O homem não fazia mais do que olhar para o galo, que de quando em vez dava um grolo para o vermute. De repente, o galo disse:
— Se está a pensar em cobrar o dobre pelo uso do apartamento, esqueça-o.
— É que me adivinha o pensamento?
— Sim, é uma das habilidades que a Susana conseguiu comigo.
— Eu direi que veio com um galo parlante e isso é motivo para lhe cobrar o dobre.
— Eu li as condições do contrato –explicou o galo—. Ali diz que o preço é estabelecido por pessoa, e eu, ainda que fale, não sou uma pessoa.
— Mas, tu és um galo que fala!
— Você diga o que queira, mas se conta por aí que eu falo, vou negá-lo, entendeu?
E sem mais, assim que apareceu a Susana coa mala, o Diogo saltou para o seu ombro e ambos desapareceram tão contentes pela porta, não sem antes ter deixado um cagalhão no sofá, porque não era senão um galo, um galo parlante, mas um galo ao cabo.
— E eu negarei que falo… —sentiu o homem ainda as últimas palavras do galo antes de desaparecerem pela porta.
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