Shamsuddin Hafez nasceu em Shiraz em 1320 e faleceu em 1389. Foi um talento excepcional em diversos campos como a filosofia mística, a poesia ou a teologia. Chegou a aprender o Alcorão de cor, que é o que significa o seu nome (Hafez, o que recorda). Revolucionou a poesia persa na forma do ghazal (poema corto e amoroso, clássico nos trovadores persas e árabes) ao introduzir vários temas numa mesma composição sem perder a harmonia e o ritmo do mesmo. Foi contestado pola ortodoxia religiosa, acusado de sensual e herético. Ele pola sua parte não se cansou de ridicularizar a falsa piedade, a hipocrisia religiosa e a retórica racionalista.
Goethe escreveu o seu Divão oriental e ocidental inspirado em Hafez, assombrado pola sua liberalidade, ousadia e, sobretudo, pola sua paixão no canto do amor. Nietzsche dirá: “Hafez realmente é aquele que conhece e desfruta” Há que dizer, porém, que a influência sobre o ocidente foi cultural e literária mas não iniciática. Nota-se no próprio Goethe, pois não há sempre uma compreensão adequada das metáforas e símbolos da tradição oriental. Tende-se a confundir sensualidade, sentimentalidade e espiritualidade. Esta equivocidade afectou ao próprios contemporâneos do poeta persa, e mesmo a sua vinculação com formas organizadas da mística persa não está clara. Ele mesmo não duvida em ser critico com algumas formas de entender o sufismo e nisto assemelha-se com ibn Arabi de Murcia (1165-1240), poeta, místico e filósofo, que foi considerado como um exemplo de hipócrita e conformista por muitos dos seus contemporâneos mas que era, na verdade, o mais grande mestre da sua época.
Seria interessante, mas ficará para outro dia, pensar a questão trovadoresca, a mística e a cavalaria iniciática, em relação com a Demanda e com toda uma Espanha herética e heterodoxa com a que nos sentiríamos francamente em mais agradável companhia para espanto de Don Marcelino Menéndez y Pelayo, pois o pobre, que se lhe vai fazer, não dava mais de si.
De Hafez podemos encontrar 101 Poemas na Editorial de Oriente y el Mediterráneo ou bem na edição de Rafael Cansinos Asséns, recentemente reeditada em Edições Arca intitulada: Antología de poetas persas.
A CASA DA ESPERANÇA
A casa da esperança ergue sobre areia
Os cimentos da vida no ar sustentam
Vem, pois, vinho na minha mão derrama
Para por fim a toda pena.
Deixai que seja escravo da vontade do homem
Que sob a abóbada turquesa do céu
Das anímicas confusões
Logrou libertar-se e continua-o fazendo.
Excepto que a mente siga emaranhada
Com aquela cuja radiante beleza
A evocar o amor e a lealdade,
Liberta a mente de toda fadiga
Ontem à noite andei a beber
Na taberna e uma mensagem
Do mundo invisível agora vos conto
Que me trouxe o belo Gabriel
“Falcão de sobranceiro prestígio
de ninho elevado e olhar altivo
esta cidade da aflição
não é própria para passar os teus dias”
“E que não ouves que te chama o assobio?
Desde os muros do céu aclamou.
Não compreendo como é que foi
Que este engano seja a tua prisão”
Ouve o conselho que agora te dou
Que as tuas acções determina:
Estas são as frases que eu recebi
Daquele que foi meu ancião guia.
“Contenta-te com o destino e a vida
não voltes cenhoso o teu rosto
aqui abaixo a porta da liberdade
não está fechada para nós”
Não tentes achar fidelidade
Neste mundo de tão fraco apoio
Antes que a ti, esta velha bruxa
Traiu a milheiros de noivos
Não acredites em mostras de pura intenção
Nem que a rosa sorri sincera:
Laia-te, amante rouxinol:
Há muito motivo de pena.
Porquê gemes e invejas de Hafez,
Pobre poetinha, a facilidade?
Só Deus é que pode conceder
O dom musical e a graça feliz.
TODO O MEU GOZO
Todo o meu gozo é beber vinho
Dos amados lábios,
O prazer máximo já obtive:
Só Deus seja louvado.
O Destino, meu velho inimigo,
Nunca deixou ir à minha amada;
Dai-me pois áureo vinho
E os seu lábios escarlates
(Clérigos fanáticos, velhos
que o caminho extraviaram
De nos murmuraram:
“São bebedores, borrachos”
Que o asceta viva lôbrego
Não quero saber nada dele,
Se o monge tem de ser piedoso
Que Deus perdoe a sua fé)
Querida, que podo contar
Da minha pena, se te foches
Senão as minhas ardentes bágoas
E um centenar de suspiros?
Que não contemple um infiel
A amargura silenciosa,
A tua beleza vê o cipreste
O teu rosto a lua ciumenta
O desejo dos teus beijos
Obriga a Hafez a isto,
Que já não se preocupa
De orações nem leituras
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