I.
Outrora, aqueles livros em cujas páginas
os coraçons eram ânimas expandidas polo ar
no obscuro universo da derrota,
aqueles poemas cheios de bile e dor
eram a minha vida
Ou talvez eu
ser criado por um deus estranho
era a sua imagem e semelhança
E ao fundo, sempre presente, o sotaque da maré
com toda a força da loucura
e aqueles irmaos de sangue recreando-nos juntos
na auto-compaixom dos vencidos, numha terra aziaga
quando o terror e a miséria
som também deuses mesquinhos que estám em todos os lugares.
Apaguei da memória aqueles estridentes versos,
escritos com todos medos dos homens
e nesse preciso instante os olhos das nuvens
espreitavam para o jardim gótico
ante o esperado florir da rosa de sete pétalas
E depois dumha interminável espera, retornei à cidade
de vidraças opacas e árvores de chumbo,
como uma criança descalça, despossuída do seu diário
E agora, visto que a gadanha me dita a razom da existência,
percorro -sem medo nem esperança-
os passeios soturnos
na procura dumha luz oblonga,
em contínuo movimento,
até ser a ágil e inaprensível galopada
dum cavalo a preto e branco
rumo a o reino da luz
II.
E O TEMPO ESTENDE A SUA MAO POLA MINHA CABEÇA
Agora, neste instante de fascínio
à contra-luz da lua moura
entrego-me a ti,
dou-te a cinza da minha mao
e fago-te beber dum cálice esmeralda
o vinho da paixom cigana,
na procura do amor sublime
Eis o compasso da hora fóssil
na boca amarga do destino,
a maré que destrui a calma invernal
na praia das tristezas entressonhadas
Este é talvez o espaço que instaura
umha nova ordem sem o horror da morte,
assim, sendo a luz central das nossas vidas
E todas estas sensaçons ficam
muito perto da loucura
na casa alva onde a magia divina da aurora
perfila a face lumínica do amor,
límpida água vital
E mesmo os olhos de etíopes tornam-se floridos
nesta primavera do sentimento,
à distância dum campo de batalha
que já pertence ao passado,
ouvindo-se só muito longe a latente música
do fim do fim dos dias
E talvez seja o tempo
o elemento menos cruel
da alquímia do verbo.
Estes textos pertencem ao poemário Abjecçom a preto e branco, que venceu em 2001 o prémio Terra de Melide.
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