“…a rima rica não vem
porém se você acena
o mundo se açucena
e a poesia também…”
Chico César
cantáteis – cantos elegíacos de amozade
É aí, na medula do verbo, que mora o princípio e as intenções das gestações que tu me concede. Se sou silêncio agora, pouco importa, pois tu é grito constante dentro de mim, voz presente que me aconchega sem juízos nas contradições.
Musa hermafrodita de olhar-molhado, que me banha e me compõe de suor e alfazema, afina minha pele, num balé de línguas, saliva das multidões, me lambuza, me adentra e me abusa, me possui, me guarda, nesse gozo pareado e zonzo de liras livres de prazer.
Senti um bom-bocado sempre que alabiei teus lábios, entre as nuvens dos teus rios, que chega dá arrepios, nessas labianas saliências e não há livro, nem ciências, academia, nem crença, que teorize ou peque, a umidez de nossos fios.
Mochila pesada de sopro e movimento, que alembra e interfere, evoca e sacode os cosmos singulares do meu ser. Água barrenta de encruzilhadas íntimas, na mira do horizonte e da face, eixo longínquo, totem de fundamento, nuvem no mar, mel de princípios.
Matérias que vivificam em mim, chamada, anúncio, gameta cerebral, fecundação que dá luz ao astral que pulsa no peito. Batuque nos poros dos surdos, alecrim na fungada dos cegos, esteira dos aleijados.
Filhas do silêncio, papéis empilhados sob meu corpo que ardem numa transfusão desnuda. Escurece a epiderme, faz espelho e identidade, denegrindo minha arte, desenzalando a linguagem.
A ti ofereço devoção e raiva, cumplicidade e distância, de amor e amizade. Amozade híbrida, que o poeta me ensinou (ou será a poesia?), e que só tu pode expressar nesse chão e céu sagrado, segredo revelado no fim de cada início e no início de cada fim.
Fonemas milhares que fervilham em busca de uma cópula de signos, que se querem verbo, que me movem a parir grafias. Poeira e putrefação, palavra que me faz eterno, memória viva da extensão, algoz do esquecimento, manga madura nos trópicos da existência. Tanto de coisa que me cambaleia, como Jonas na baleia ou como na canção de Fagner, feito sinfonia de Wagner, uma dança, outra ave-me! É rapadura na cerveja e por isso te peço: me embriague, me avôe, me leia!
Michel Yakini é escritor e produtor cultural.
NOTA DA PALAVRA COMUM: a fotografia do autor é de Sonia Bischain.
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