– Palavra Comum: Qual é a situação do sistema agrário galego hoje?
– Mar Pérez Fra: Nestes momentos o sector agrário está a viver sem dúvida umha etapa de muitas incertezas. Contamos em Galiza com exploraçons que fixerom um esforço modernizador importante, de tal jeito que nas condiçons existentes som competitivas no contexto europeu.
Mas as cousas estám a mudar. Por umha banda a recente reforma da Política Agrária Comum certificou a eliminaçom dos mecanismos que serviram tradicionalmente para estabilizar mercados, polo que as produtoras e produtores vam ter que adaptar-se a um contexto comercial de enorme variabilidade nos preços. Por outra, um dos subsectores que maior importância tem na produçom agrária galega, o lácteo, vai-se ver sacudido pelas consequências derivadas da supressom das quotas á produçom.
Se a este panorama se lhe acrescenta que -se como sociedade nom somos capazes de impedi-lo- a fins deste ano se firmará o Tratado de Livre Comércio entre EU e os Estados Unidos (TTIP), parece inegável que o sector agrário está agora mesmo numha encruzilhada cujos resultados vam ser mui difíceis de predizer, quanto menos no médio ou longo prazo.
– Palavra Comum: Que aspectos do mesmo reivindicarias por não serem suficientemente conhecidos na sociedade?
– Mar Pérez Fra: O sector agrário é em geral um sector pouco valorizado socialmente. Cousa que realmente resulta difícil de entender quando estamos a falar dum sector estratégico do que depende umha questom tam valiosa como a produçom de alimentos e, nalguns casos também, a conservaçom ambiental.
A visom que se transmite da atividade agrária e do rural em geral soe incidir sobre velhos tópicos, todos eles bastante negativos. Adjetivos como atrasado, conservador ou obsoleto som a miúdo associados com o mundo agrário ou rural, enquanto parece que toda a inovaçom tecnológica, social ou cultural provém de contextos urbanos. Por isso eu reivindico tanto o enorme esforço modernizador realizado polo sector como a importância que a atividade agrária tem na nossa sociedade, importância que nom podemos medir unicamente em termos de renda gerada ou emprego, senom que temos que medir também em termos aporte cultural.
– Palavra Comum: Que características próprias tem e com que outros modelos nos comunica?
– Mar Pérez Fra: Se há um elemento que me parece especialmente interessante da atividade agrária é que pode ser útil para a construçom dum futuro melhor, no que os processos coletivos tenham um maior peso.
Digo isto porque umha parte importante da sociedade galega esqueceu um passado mais rico no referente à capacidade de organizar-se socialmente para alcançar objetivos comuns. Mas no rural ainda reside na memória de muitos a lembrança de formas de organizaçom social de caráter coletivo que estavam fortemente vinculadas com o modelo de produçom agrária tradicional. As bases de algo que pode soar tam moderno como a Economia do Bem Comum estavam presentes em muitas das instituiçons sociais da Galiza agrária tradicional. Sirva como exemplo para ilustrar o que digo as mais de três mil comunidades de montes vizinhais que ainda a dia de hoje há constituídas ao longo de todo o país. Bem certo é que muitas delas apenas têm funcionamento, mas podem ser o gromo a partir do que se inície um processo de articulaçom social.
– Palavra Comum: Que caminhos achas conveniente transitar nestes tempos para o desenvolvimento rural? Qual seria para ti um modelo ideal para poder ser implementado e podermos chegar a ele?
– Mar Pérez Fra: Um dos principais problemas das áreas rurais é o despovoamento. O processo de perda de empregos na agricultura nom se veu compensado pola criaçom de empregos nos setores secundário e terciário. Isso levou a umha perda de populaçom nestas áreas, o fluxo de saída de pessoas cara às áreas urbanas está condicionado pola ausência de oportunidades laborais. Por isso, a política de desenvolvimento rural tem que ter como um dos seus objetivos fundamentais a criaçom de emprego, condiçom sine qua non para a fixaçom de populaçom. E neste senso há um sector que na minha opiniom deve ser objeto dumha atençom preferencial: a transformaçom industrial de alimentos. Matéria ainda pendente no nosso país.
A criaçom de emprego é umha condiçom, pois, necessária, mas nom suficiente. Precisa-se também superar a fenda das infraestruturas e dos serviços que separa a dia de hoje as áreas urbanas das rurais. Cumpre converter as áreas rurais em espaços atrativos para a residência de acordo com os parâmetros da sociedade atual.
– Palavra Comum: Que importância consideras que tem o diálogo com a tradição cultural, a ecologia e a sociedade?
– Mar Pérez Fra: Todas as sociedades som devedoras da sua história, a nossa nom é umha exceçom. Qualquer intento de entender o mundo no que vivemos está condenado ao fracasso se nom há umha reflexom prévia sobre o lugar de onde vimos.
– Palavra Comum: Que pegada tem deixado, do teu ponto de vista, o sistema agrário com as artes (literatura, música, artes plásticas, etc.)?
– Mar Pérez Fra: Com umha simples olhada ao redor de nós podemos perceber a enorme influência que a produçom agrária tem no nosso património. Há manifestaçons bem óbvias nas que todas pensamos de jeito imediato: muinhos, pazos, batáns, etc. som fruito direto do trabalho agrário. Mas a sua pegada vai muito mais longe. Desde a língua, conformada por umha enorme quantidade de palavras que têm a sua origem em tarefas agrárias, à mesma paisagem. Esta afirmaçom pode surpreender a alguns, mas é importante salientar que as belas paisagens do nosso país que têm sido fonte de inspiraçom para muit@s artistas de diferentes âmbitos nom som paisagens naturais. Trata-se de espaços transformados graças ao trabalho de geraçons de labregos e labregas. Que tem de natural um souto do Caurel? ou os socalcos da Ribeira Sacra?: pouco; trata-se de paisagens de indiscutível valor ambiental, mas de paisagem antropizadas.
– Palavra Comum: Que achas de Palavra Comum? Que gostarias de ver também aqui?
– Mar Pérez Fra: Nom conhecia a revista, mas gostei muito do seu enfoque, sobre todo pela diversidade dos temas nela abordados. É um estupendo lugar de intercâmbio de opinions e conhecimentos para gente interessada em mui diferentes disciplinas. Na verdade o seu nome é bem descritivo do seu objetivo e dos seus conteúdos.
Mar Pérez Fra é Professora Contratada Doutora na Área de Economia, Sociologia e Política Agrária da Escola Politécnica Superior de Lugo (Departamento de Economia Aplicada da Universidade de Santiago de Compostela. As suas linhas de investigação estão relacionadas com os processos de câmbio agrário e com a avaliação e desenho de políticas de desenvolvimento rural.
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