– Palavra Comum: Que é para ti a Arquitectura, um trabalho ou uma paixão? Por que?
– Óscar Pedrós: Como bom galego poderia dizer para você que ela é um trabalho apaixonante. Nem poderia dizer que só é uma paixão pois mesmo as paixões precisam de um sobre-esforço para virar realidade. O processo creativo, de imaginação espacial pura, isso é paixão. Qualquer coisa das que acontece quando crio vira quase obsessiva, enchendo de desenhos, referências ou lembranças o caderno que sempre acompanha. Mas para esses pensamentos se tornarem realidade, precisa-se de um esforço racional, muito sacrificado às vezes, que prova que as coisas não acontecem por um acaso. Acho que isso é o fato diferencial da nossa profissão: a dupla sentimento e racionalidade.
– Palavra Comum: Que aspectos da Arquitectura reivindicarias por não serem suficientemente conhecidos na sociedade?
– Óscar Pedrós: Acho que hoje em dia o conhecimento das questões espaciais fica bem espalhado na sociedade. Tem muitas ferramentas de divulgação delas (magazines, blogs e mesmo programas de TV) que embora às vezes fiquem muito superficiais, ajudam à divulgação da nossa profissão. Parece que todo o mundo pode falar do espaço em questão de gosto. Só que a arquitetura propriamente dita precisa dum conhecimento mais profundo, duma leitura culta dessas questões espaciais. Isso é que reivindico: uma confiança absoluta na figura do arquiteto á hora de resolver um problema espacial, entendendo que ele não é simplesmente um problema estético.
– Palavra Comum: Que influência têm em ti as características próprias da Arquitectura galega e com que outros modelos nos comunica?
– Óscar Pedrós: Galícia é uma terra única, muito rica em referências culturais. Mas aqui hei-de virar critico, pois essa realidade tão poética não aparece na maior parte dos casos em que o arquiteto tem que atuar. Então acho que tem dois tipos de arquiteturas: aquelas que tiram partido de todo o que esse maravilhoso território oferece (então a arquitetura surge do lugar, virando uma extensão dele), e muitas outras que se insirem num ambiente muito hostil, fruto da realidade urbanística galega, tornando-se arquiteturas herméticas em que o espaço interior (um pátio, um lar) vira protagonista. As primeiras pegam as características próprias da tradição (texturas, orientação, …) e as segundas ficam na procura duma alma própria que o lugar não oferece, mais conceptuais, mas por isso não deixam de serem galegas, pois a realidade galega também é a cidade difusa, as medianeiras e aquele “tu vai fazendo”.
– Palavra Comum: Moras no Brasil actualmente. Como ves a Arquitectura desde aí?
– Óscar Pedrós: Aqui têm uma situação paralela à que eu já descrevi. Moro em Maringá, uma cidade tão nova como os meus pais: isso na Europa fica incompreensível… pensar em cidades onde os seus moradores ainda são netos dos pioneiros. Então acontece essa situação dupla: tem arquiteturas cultas, herdeiras principalmente da escola paulista, com uma presença brutalista (concreto aparente) e muita arquitetura que simplesmente soluciona a necessidade de morar e de crescimento rápido destas cidades adolescentes em termos de idade. As cidades latinoamericanas estão-se a verticalizar dum jeito assombroso. A especulação chegou aqui imparável, e as cidades-jardim planejadas desde o modelo de Howard viraram cidades-do-carro. Assim, a arquitetura vai desaparecendo à mesma velocidade com a que desaparece o espaço público. Infelizmente estou assistindo a um filme do qual a gente já conhece o seu fim.
– Palavra Comum: Como é a tua visão da Arquitectura actual? Que caminhos achas conveniente transitar nestes tempos?
– Óscar Pedrós: O jeito de aprender arquitetura produze-se através de referências históricas. Quando um fica na Faculdade, para a gente comprender como se chegou até o ponto atual, enche o seu cérebro de referências que com o tempo se tornam em anseios de poder contribuir à arquitetura como aqueles mestres contribuíram. Só que a realidade daqueles momentos estelares da arquitetura sempre fica vinculada a fatos históricos, sociais ou tecnológicos determinantes (o espaço público no Barroco, o sonho da utopia no construtivismo, a aparição do concreto no Movimento Moderno,…). Agora, o arquiteto dirige uma orquestra, procurando fazer uma música nova mas com os instrumentos de sempre, ficando simplesmente em ícones, numa fotografia, com apenas qualidade interior. Acho que o melhor é sermos prudentes e continuar fazendo arquitetura do jeito mais cauteloso se o lugar assim o precisa, e arquitetura paliativa ou de auto-defesa, em lugares que precisam uma re-qualificação espacial. Acho que a boa arquitetura atual é mais um agente paliativo da situação global, um “retorno à essência” desaparecida com a sociedade do consumo.
– Palavra Comum: Que importância tem no teu trabalho o diálogo com a tradição cultural, a ecologia e a sociedade?
– Óscar Pedrós: Dando uma olhada aos meus trabalhos que já ficaram prontos, confiro que as arquiteturas que desenvolvi até o momento são arquiteturas defensivas, introspectivas, herméticas, dados os locais onde elas ficam. O diálogo que eu estabeleci até agora é bem mais conceptual do que material. A Casa Eins (foto superior) pesquisa a distribuição espacial concêntrica em torno ao fogo, ao tradicional espaço do lar; a escola infantil de Mesoiro mergulha nas arquiteturas panópticas, e a Mediateca de Carballo (foto à esquerda) faz-se um oco entre o mundo inacabado das medianeiras, lembrando as palavras de Cícero: “Se perto da biblioteca você tem um jardim, então já não precisa de mais nada”. Também constitui uma escolha de espaços de leitura em torno à luz, lembrando as palavras metafóricas de Louis Kahn: “Um homem pega num livro e vai cara a luz: aí começa uma biblioteca”. Acho que todas elas ficam na procura duma alma própria quando o local não a oferece.
– Palavra Comum: Fala-nos dos teus gostos culturais e artísticos (música, literatura, artes plásticas, etc.). Sentes que há vínculos ocultos ou explícitos entre as artes e a Arquitectura? Quais seriam, nesse caso?
– Óscar Pedrós: Musicalmente, fico apaixonado com o violão. Ele me ajuda a pensar, a desligar o cérebro nesses momentos quando a criatividade se atrapalha. A teoria musical me ajuda muito nas aulas de projetos, quando os alunos ficam com vontade de “fazer jazz” sem conhecer as regras básicas da escala diatônica. A mágica é uma outra disciplina que me interessa muito: acho muito legal toda coisa que mexe com a percepção e a psicologia. Essa é a semente da minha Tese de Doutorado em arquitetura, já que o espaço é um fato percebido. Esses dois pontos acho que têm muito a ver com aqueles vínculos entre arquitetura e outras matérias que vocês perguntam, além das viagens e os idiomas, que eu adoro também.
– Palavra Comum: Que projetos tens e quais gostarias chegar a desenvolver?
– Óscar Pedrós: No plano profissional agora fico atrapalhado com um projeto de vivenda num local incrível, com um potencial que me permite, no fim, pesquisar mais naquele diàlogo com a tradição que vocês perguntavam antes. Fico muito interessado no resultado final. No nível de pesquisa, tenho varias ideias após o Doutorado para desenvolver vínculos mais diretos entre a neuropsicologia e o espaço.
– Palavra Comum: Que achas de Palavra Comum? Que gostarias de ver também aqui?
– Óscar Pedrós: Acho um ponto de encontro muito interessante. Um lugar de confluência da transversalidade de muitas disciplinas que fazem de esporão, que estimulam a criação e a reflexão. Palavra Comum é um exemplo do bom uso das novas tecnologias.
NOTA: podem-se ver todos os trabalhos de Óscar Pedrós na sua web.
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