– Palavra Comum: O que é para ti a arte, nas diferentes formas que tens experimentado até agora (fotografia, audiovisual, etc.)?
– Sebastião Miguel: A Arte para mim sempre foi um processo de vida e uma necessidade. A fotografia no cinema e seu apelo aconteceram durante muito tempo, a única forma de arte real e que pudesse ser considerada verdadeira (embora já fosse uma cópia, pois a divulgação do cinema sempre foi com cópias) com que eu tive contato. Na cidade em que nasci não havia museus e exposições de arte. Havia sessões na sala escura no cinema que no início da projeção tinha sons e piscar de luzes coloridas para o ápice da abertura das cortinas e o começo da projeção na enorme tela branca. No início, antes de as cortinas abrirem totalmente, o filme ondulava no veludo vermelho. A imagem luminosa nas dobras das cortinas era minha epifania.
– Palavra Comum: Como entendes o processo de criação artística?
– Sebastião Miguel: O processo da criação é algo que nunca tomei em pauta. Embora haja manuais e teorias creio que é uma experiência individual. Ser criativo, acredito, é uma necessidade. Embora algumas pessoas digam que não o são, elas inventam no cotidiano. Talvez a palavra criação esteja acoplada a invenção. Invenção e precisão, daí nos afastarmos da teoria que os artistas necessitam do caos ou da fantasia para poder criar. A precisão é importante para indicar um processo, porque é nela que se organiza o fluxo interno e a capacidade de sair do lugar comum.
– Palavra Comum: Qual consideras que é a relação -ou qual deveria ser- entre as diversas artes (literatura, artes plásticas, teatro, música, audiovisual, etc.)?
– Sebastião Miguel: Meu primado e minha formação visual começaram com os livros onde os textos cediam as imagens, e as imagens interpunham outras camadas nos textos. Na infância possuí livros dos Irmãos Grimm. Muitas vezes somente olhava as imagens e recontava as histórias como se numa única ilustração eu encontrasse o começo e o fim da fábula. Mais tarde de posse destes livros, recolhi estas ilustrações e os deixei com seus textos e enredos; bastava-me as imagens. Os livros sem suas gravuras ainda contavam histórias. Independentes, narravam os mesmos fatos, porém eu havia libertado as imagens do jugo dos textos.
Conto esta minha experiência porque acredito que uma arte retroalimenta outra.
– Palavra Comum: Como consideras que se combinam -ou se deveriam combinar- arte(s) e Vida?
– Sebastião Miguel: O movimento Fluxus propôs esta interação entre a arte (antiarte) e a vida. Menos que uma atitude, mas um conjunto de procedimentos, um grupo específico ou uma coleção de objetos, o movimento Fluxus traduz uma atitude diante do mundo, do fazer artístico e da cultura que se manifesta nas mais diversas formas de arte: música, dança, teatro, artes visuais, poesia, vídeo, fotografia e outras. Conforme Dick Higgins: “Fluxus não foi um momento na história ou um movimento artístico. É um modo de fazer coisas […], uma forma de viver e morrer”.
Como artista que tem como partida minha autobiografia, arte e vida caminham paralelos na procura de uma resposta.
– Palavra Comum: Que referentes tens no teu trabalho criativo?
– Sebastião Miguel: Meus referentes mudam de acordo com meu processo de criação e de fazer obras. Como artista investigador nunca fixo “um artista” mas um conjunto de proposições que vários artistas projetam e que tento dar certa continuidade. Estes artistas tanto podem ser da literatura, do cinema, ou mesmo das artes visuais. É sempre voltando para minhas inquietações que estabeleço diálogos temporários com algumas obras de um artista que escolho como ponto de reflexão.
– Palavra Comum: Que caminhos entendes necessários para transitarem as artes hoje, nomeadamente na comunicação com o público e a sociedade?
– Sebastião Miguel: É difícil situar como deve ser este contato. Em um mundo onde as redes de informações criam fatos fictícios, e onde a tecnologia cria apelos sem reflexão, a arte deve se aproximar das pessoas e de seu público de uma forma silenciosa e completa. Completa no sentido de não fornecer respostas, mas criar pontos de reflexão que tirem as pessoas da sonolência. Ultimamente prefiro uma arte que não seja concorrente da publicidade ou do show business.
– Palavra Comum: Que projetos tens e quais gostarias chegar a desenvolver?
– Sebastião Miguel: Meu projeto é um só: encontrar respostas. E para isso utilizo desenho, pintura, fotografia, vídeo. Minha formação é em artes plásticas e por isso me detenho na cozinha da arte. Usar um processo mínimo para obter resultados. Isso não implica descartar os novos medias, pois mesmo as recentes tecnologias têm como parâmetro o mesmo princípio de um risco de lápis em um papel.
– Palavra Comum: Que achas de Palavra Comum? Que gostarias de ver também aqui?
– Sebastião Miguel: Palavra em Comum nasceu na lua nova, e assim é um respiro em meio a muitas publicações de arte.
NOTA: As fotos que acompanham esta entrevista são da série Exegesis Secular, de 2012/2014. Impressão em acrílico tamanho 60X40 cm. A obra original são trinta e tres trípticos de três.
Sebastião Miguel é Bacharel de Artes Plásticas pela Universidade do Estado de Minas Gerais (1985), especialista em Arte e Contemporaneidade – Escola Guignard-UEMG (2002) e mestre em Artes Visuais pela Universidade Federal de Minas Gerais (2005). Doutor em Arte Contemporânea pelo Colégio das Artes, Universidade de Coimbra-PT. É professor na Escola Guignard – UEMG. Foi Vice-diretor da Escola Guignard-UEMG (2008/2012). Tem experiência na área de Artes, com ênfase em pintura, desenho e fotografia, atuando principalmente nos seguintes temas: discussão sobre pintura, artes gráficas, artes visuais, literatura, cinema e novas mídias.
Luta [Dig Me] from Sebastião Miguel on Vimeo.
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