– Palavra Comum: Que são para ti a música e a literatura?
– Xiao Berlai: Vou falar do caso de Desconhecido, onde misturo poesia e música duma maneira completamente intuitiva, livre e sincera. Onde os poemas, ao ser cantados ganham uma força diferente à que teriam por si sós. Do mesmo jeito a música, os ambientes sonoros criados para narrar a história do homem Desconhecido, completam-se com o verso, com a concretização da palavra, da imagem poética.
A música como comunicação artística abstrata através do som. A literatura como comunicação artística mais concreta (à que gosto de imaginar também através do som). E da união de ambas nascem mundos novos, onde mora o Desconhecido.
– Palavra Comum: Como entendes (e levas a cabo, no teu caso) o processo de criação artística?
– Xiao Berlai: A minha criação é artesã. Apesar dos estudos de composição, as minhas músicas nascem com um instrumento nas mãos, a partir duma melodia que nasce na minha cabeça, ou desde um verso que aparece no meu dia, nas cousas que me acontecem.
E sobre eles trabalho: às vezes em pouco tempo consigo a canção, e às vezes depois de bater duro contra a mesma parede e abandoná-la, volto a ela com tempo de por meio, para deixá-la fluir de maneira natural. Não gosto muito de forçar as cousas…
– Palavra Comum: Qual consideras que é -ou deveria ser- a relação entre a literatura e outras artes (música, literatura, fotografia, banda desenhada, artes plásticas, etc.)? Como são as tuas experiências neste sentido?
– Xiao Berlai: Qualquer relação entre artes deve ser livre e nascer do carinho à própria linguagem artística. Nós, em Desconhecido, misturamos música, poesia, narração e banda desenhada. A experiência foi bem enriquecedora e assim penso que se vê no nosso CD-BD (como gostamos de lhe chamar). O mais difícil foi atopar e encaixar os tempos de ambas linguagens, mas penso que o conseguimos de maneira natural. Sem existir lutas entre elas. A escuta da música tem os seus tempos e a leitura -banda desenhada e poemas- também. Quem tenha a oportunidade de ler-ouvir o Desconhecido de Berlai poderá comprovar como convivem ambos, sendo por ocasiões, parte da mesma linguagem.
– Palavra Comum: Quais são os teus referentes (num sentido amplo)?
– Xiao Berlai: O meu principal referente musical é a própria tradição galega, já que desde criança até agora mesmo vivim com ela, mas não só a música tradicional, também os grupos de música folque: Fuxan, Milladoiro, Berrogüetto, Fia na Roca -logicamente, já que tocava ali-.
Mas ouço muita outra música. Na minha época de estudante escutei muita música contemporânea, desde Debussy ou Bartók até Ligeti ou Varése. Também no mundo da música pop ou rock a Frank Zappa, The XX, Radiohead, Massive Attack, Albert Pla, Silvio Rodríguez… No jazz gosto sobre todo do hot, do jazz modal, da fusion…
Na literatura sempre lim mais poesia que narrativa (com excepção de Cortázar, do que lim toda a sua obra). Pessoa, Neruda, Bukowski e poetas galegos como Carlos Negro ou Iolanda Zúñiga.
Falando de poesia cantada, José Afonso, Silvio Rodríguez, Radiohead, o próprio Albert Pla, o rap…
– Palavra Comum: Que caminhos (estéticos, etc.) estimas interessantes para as artes, na sua comunicação com a sociedade a dia de hoje?
– Xiao Berlai: As artes “independentes” vem-se eclipsadas polas promoções dos grandes meios de comunicação e dos seus interesses. Quando parecia que internet poderia ser um canal livre de comunicação para as artes (quando menos para as artes não plásticas), pudemos ver como essa suposta liberdade da rede não o era tanto, e cada vez menos. Ainda que sempre há canais.
De qualquer modo, a arte sincera, que não se fai só com fins comerciais, sempre estivo um pouco “à margem” dos principais canais de comunicação, e sempre foi um lugar interessante para experimentações e liberdades que forom influindo também nas artes mais oficiais.
– Palavra Comum: Que perspectiva tens sobre o estado da língua e a cultura galegas (e as suas conexões com outros espaços, nomeadamente com a Lusofonia)?
– Xiao Berlai: A cultura galega tem dous polos contrapostos de maneira incrível numa sociedade normal. Há uma qualidade tremenda em literatura, música, banda desenhada, etc… Qualidade e também quantidade. E por outro lado, tem um consumo dessa arte diria que… anedótico. É o tópico de sempre, mas quando um livro se traduz do galego para o espanhol (p. e.) vende mais nessa língua estrangeira que na própria.
Por outra banda, *s artistas galeg*s sempre estám à procura de interconexões com Portugal e a lusofonia, e muitas vezes, desde Portugal não há essa reciprocidade cara nós… polo que a nossa arte mora um pouco em terreno instável. Salvo contados casos como Uxía e Narf.
Apesar de tudo, aqui seguimos com a teima de seguir criando na nossa língua, ao nosso jeito… e que caramba… de morrer, morrer cantando, ou que?
– Palavra Comum: Que pegada tem deixado, do teu ponto de vista, o agro ou sistema agrário nas artes (literatura, música, artes plásticas, etc.), sobretudo nos últimos anos?
– Xiao Berlai: A verdade é que desconheço fora do que é o mundo da música folque como o agro influi nas artes na Galiza. Na música tradicional há abundantes referências a este mundo já que é uma música que nasce precisamente neste contexto. Mas a maior parte da arte que conhecemos é sobretudo, arte urbana.
Por outro lado, em Berlai definimo-nos como Indie Rururbano, e como tal, gosto da fricçom que se dá entre ambos mundos no contexto galego, onde as verças som urbanas ou o milho precisa de balizas policiais. Estas som imagens que podemos ver no dia a dia galego se sabemos olhar da maneira adequada.
– Palavra Comum: Como seria a tua Galiza Imaginária? Há algo dela que exista já, do teu ponto de vista?
– Xiao Berlai: Mais que descrever a minha Galiza imaginária, quase prefiro falar de aquelas cousas das que não gosto em absoluto na Galiza real. Não gosto para nada do minifúndio mental. Não gosto para nada de como gerimos os nossos montes (na maior parte dos casos). Não gosto de que as empresas que produzem na Galiza paguem os impostos em Madrid e ódio que *s galeg*s como sociedade nom fagamos nada…
Mas, paradoxalmente, adoro as pessoas galegas que levam o melhor do rural com elas -de maneira individual-: a calma e o sossego de: “tranquilidade, que nom passa nada”… O apoio incondicional dos bons amigos, ou o orgulho de falar em galego fronte à corrente que nos quer arrastrar à extinçom…
– Palavra Comum: Fala-nos da tua experiência no ensino. Qual é a tua visão sobre a sua situação e para onde deveria/poderia caminhar?
– Xiao Berlai: O ensino é uma das melhores experiências da minha vida. Na Galiza sabemo-lo bem, já que aprender aos demais é aprender um mesmo, de aí que este verbo tenha as duas acepçons no galego.
Além da última lei LOMCE, que podo assegurar que é a pior lei educativa desde o EGB por múltiplas razons, o ensino enfoca-se cada vez mais em questons burocráticas, convertendo o professorado em administrativos, quando a nossa profissom deveria ser uma das profissons mais criativas de todas.
Se nom existe criatividade por parte do professorado, nunca teremos gente criativa (e nom só me refiro às artes). Essa e nom outra deveria ser o cavalo de batalha da administraçom, conseguir professorado de vocaçom, implicado e criativo. Alguém que nom requira estas qualidades nom deveria aprovar umas oposiçons no ensino de qualquer nível.
Aproveito também para fazer um pedido: A unificaçom salarial e de direitos de todo o professorado, desde infantil até a universidade. O professorado de infantil é tam importante como o universitário.
– Palavra Comum: Que projectos tens e quais gostarias chegar a desenvolver? Fala-nos, mais concretamente, de Desconhecido…
– Xiao Berlai: Pois ando metido em vários projectos. Num deles teremos disco em breve (vários meses). Chama-se Vai Trio e baseamos a nossa música en dous aspectos: música para gaita sem gaita, e composiçons próprias baseadas em sonoridades tradicionais ou folques.
No que se refere a Berlai, agora mesmo estamos imersos na apresentaçom do Desconhecido por todas as cidades de Galiza.
Desconhecido é uma mistura de canções, poesia e banda desenhada, onde cada parte funciona livre dentro da unidade: peças com carácter independente, que ao mesmo tempo, como partes do todo, cobram um sentido novo.
No concerto misturamos a música sincera de Berlai e também a narrativa ilustrada ao vivo e projectada. Uma travessia por uma história emotiva e real: A história de um homem desconhecido, de um homem solitário, que preferiu viver a sua vida como se fosse um sonho.
Uma história que combina de maneira consciente uma mistura explosiva de realismo sujo, cru e obsceno com o lirismo mais refinado. Onde o romantismo e a história de amor não conseguem escapar do sexo, da loucura e do desespero.
Ao mesmo tempo, vamos preparando novas canções para novos projectos de Berlai, mas com calma.
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