NOTA DA PALAVRA COMUM: agradecemos imenso esta entrevista ao Michel Yakini, quem participou em Compostela no VI “Colóquio Internacional sobre Literatura Brasileira Contemporânea: o local, o nacional, o internacional”. Yakini é autor de “Desencontros” (contos, 2007), “Acorde um verso” (poesia, 2012), “Crônicas de um Peladeiro” (Crônicas, 2014) e de diversas antologias, é colunista do Jornal Brasil de Fato. Atuante no movimento de literatura das periferias de São Paulo. Participou de atividades literárias na Argentina, México, Cuba e França, realizando palestras, recitais e apresentando sua obra em universidades, feiras, centros culturais e eventos artísticos. A fotografia do autor é de Sonia Bischain.
– Palavra Comum: O que são para você a literatura e as artes?
– Michel Yakini: Banho de liberdade e conhecimento. Cachoeira de perguntas e setas passadas que sorriem no meu presente e fundamentam meu futuro, minha identidade. A literatura é o véu dos meus dias, o barco que me leva, o vento que sopra a favor, o verbo que me cria.
– Palavra Comum: Como entende -e pratica- o processo de criação literária?
– Michel Yakini: Repetição para desrepetir. Ler e escrever é um caminho infinito de recriação, da sensação do inacabado. Sempre que leio percebo o quanto as possibilidades de estilos e formas são diversas, quando escrevo sinto o quanto estou em mutação artística, e o quanto não tenho controle sobre o entendimento e as ressignificações que a palavra assume na leitura alheia. Isso me encanta, dá muito trabalho e prazer em fazer.
– Palavra Comum: Qual considera que é -ou deveria ser- a relação entre as artes entre si (literatura, artes plásticas, fotografia, etc.)? Como são as suas experiências neste sentido?
– Michel Yakini: Gosto de encarar qualquer experiência de vida como linguagem, passível de troca, comunicação, fruição e intensidades. Seja na leitura contraditória do mundo, seja trocando carícias íntimas com quem é de agrado, numa varrida de chão, ou escrevendo um livro. E o câmbio entre as artes enriquece essa experiência de linguagem, é mágico sentir por sons, cores, imagens, movimentos e cheiros que podem tanto estar representados numa mesma forma, ou em expressões autônomas como no livro, no filme, na dança enfim. Eu participo de um movimento literário em São Paulo, mas que não se reduz ao livro, ou a palavra, nosso convívio é com artistas dos mais variados estilos e fazeres, e isso influencia e modifica nossa criação.
– Palavra Comum: Quais são os seus referentes criativos (num sentido amplo)?
– Michel Yakini: Vem principalmente da crença nas rodas, da voz coletiva, da experiência viva que emerge dos terreiros de arte e pratica sagrada, onde os céus são guias das mentes altivas e o chão o prumo da nossas origens. Experiências que consigo sentir num sarau, numa roda de samba, numa ciranda, num abraço da minha filha.
– Palavra Comum: Que caminhos (estéticos, de comunicação das obras com o público, etc.) estima interessantes para a criação (e os criadores) artística e cultural hoje?
– Michel Yakini: Acredito na transposição das barreiras mofadas que a critica legitima como formas autenticas de arte, onde tudo é baseado em estéticas catalogadas, referendadas pelo outdoor cultural de carpetes e luzes que nem sempre iluminam a diversidade que arte pode oferecer. A internet, a forma colaborativa de produção, a contra-estética, as linguagens negras, femininas, indígenas, gays, independentes, as que moram nos rincões da vida, carregam o oxigênio mais aromático da arte hoje em dia.
– Palavra Comum: Fale-nos do Coletivo Literário Sarau Elo da Corrente…
– Michel Yakini: É coletivo formado em 2007, no bairro de Pirituba, na periferia da cidade de São Paulo. Nós realizamos como ação principal um sarau (recital) de poesias num bar, bar do Santista, na região, e reunimos artistas, moradores, de várias idades, origens, gêneros e práticas diversas torno da palavra. Fazemos parte de uma efervescência cultural que ficou conhecida como Literatura Periférica, e que hoje movimenta diversos coletivos e centenas de saraus pela cidade. Além disso, mantemos um selo editorial que publica autores e autoras da cena.
– Palavra Comum: Qual é o estado da literatura brasileira nestes momentos, do seu ponto de vista?
– Michel Yakini: No Brasil há uma produção literária muito diversificada, onde a autoria independente, que surge das letras negras, periféricas e feminina, por exemplo, vem se consolidando há décadas no cenário artístico e discursivo do país, mas que ainda tem pouco prestígio da crítica, da indústria cultural e das grandes mídias, pois representam um contraponto a esse perfil elitista, másculo e branco que sempre representou a literatura brasileira, e que não dá conta da diversidade cultural presente no país.
– Palavra Comum: Que vínculos acha você entre Arte(s) e Vida?
– Michel Yakini: Não consigo dissociar. Produzo literatura, que muitas vezes é a arte da solidão, porque o ato de ler e escrever é muito silencioso e particular, e porque uma obra não lida é uma lápide em potencial, mas desde criança vivencio poesia dita em voz alta, casada com coro e movimento do corpo, e hoje sou organizador de um sarau que é uma prática de poesia falada, ou seja, viva. Além disso, não publico livros esperando leitores nas livrarias de shopping centers, estou sempre em contato direto com quem lê meus livros, inclusive realizando formação de leitores, provocando novos adeptos. Acredito na arte que compõe o espaço da vida e não na arte passiva, mimada de contemplação e aplauso, que prefere a distância, em vez da quentura.
– Palavra Comum: Que projetos tem e quais gostaria chegar a desenvolver?
– Michel Yakini: Em 2016 vou seguir realizando o Sarau Elo da Corrente, pelo 9º ano, em meu bairro, editando o livro de outros parceiros e caminhando por aí com a mochila cheia de palavras. Atualmente escrevo quinzenalmente pro Jornal Brasil de Fato e estou finalizando meu primeiro romance e pretendo seguir por aí.
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