Desde a Palavra Comum agradecemos ao escritor português Pedro Guilherme-Moreira ter aceite o convite para esta entrevista. Este é o seu espaço na internet, onde se pode conhecer mais da sua obra.
– Palavra Comum: Que é para ti a literatura?
– Pedro Guilherme-Moreira: Nada. Realmente a literatura não supõe nada. Está para revolucionar cabeças e corpos. Nós é que passamos a vida a supor tudo.
– Palavra Comum: Como entendes (e praticas, no teu caso) o processo de criação artística?
– Pedro Guilherme-Moreira: Entendo-o como a procura do novo, alternativo, ou como uma nova execução do existente. Admito o cumprimento do mesmo plano, o plano mais simples, apenas para contar uma história que não pode deixar de ser contada. Mas, se for só pela história, que não se exagere. Isto é mais intenso a partir do momento em que estou no mercado em grande grupos editoriais. Idealmente, para mim, a literatura devia ter um pousio prolongado e, provavelmente, a decisão de publicação ser após a nossa morte ou na velhice. Mas entendo que há uma utilidade em irmos ao encontro dos leitores como contemporâneos absolutos, ou seja, vivos. Mas, a fazer isso, que não o executemos como se estivéssemos mortos, distantes, olímpicos, inacessíveis. Se vamos vivos ao encontro de leitores vivos, que haja carne, toque, abraços, cheiros, paixões, arrebatamentos, perigos.
O meu processo de criação é sempre o desenvolvimento de ideias que acredito únicas ou urgentes. Como sou advogado, pauta-se por uma tentativa de fuga diária aos afazeres profissionais. A fuga é, fisicamente, para a praia, para o mar, junto do qual vivo desde que nasci. Escrevo em cafés e bares sobre a praia. 90% da minha produção é aí. 5% é em hotéis. Outros 5% em casa, cousa pouca. Se pegarem em qualquer livro meu, verão o meu roteiro nos “Agradecimentos”.
– Palavra Comum: Qual consideras que é -ou deveria ser- a relação entre a literatura e outras artes (audiovisual, artes plásticas, música, etc.)?
– Pedro Guilherme-Moreira: Total. Também carnal, física. Exerço essa implicação absoluta em cada coisa que escrevo. Nos dois romances que publiquei tenho sempre exercícios musicais. No “Livro sem ninguém”, dialogo com as artes plásticas. O texto com que fechei o processo de escrita do livro é um diálogo intenso com todas as correntes artísticas. Cfr pp 152 a 154 do “Livro sem ninguém” e depois digam-me alguma coisa.
– Palavra Comum: E qual é a relação entre arte(s) e vida, do teu ponto de vista?
– Pedro Guilherme-Moreira: São dois lados da mesma modeda, mas creio que as artes são mais verdadeiras e reveladoras do que a própria vida. A vida é a nossa maior ficção.
– Palavra Comum: Quais são os teus referentes criativos (num sentido amplo)?
– Pedro Guilherme-Moreira: A contaminação do meu sangue que o meu bisavô escultor me deixou é uma doença. Isso entronca na questão das artes. Eu fui contaminado por um escultor e sou escritor. Depois estou sempre à procura dos verdadeiros sábios, dos mais humildes. Quando detecto presunção e distância, deixo-os cair. Talvez o Nabokov seja uma excepção a essa minha regra. Mas não o é Mauro de Vasconcelos, Leonard Cohen, Cervantes (era um desenrascado), Drumond, a tríade Jobim-Buarque-Veloso, Jaime Lerner, Tracy Chapman, Hélia Correia, Luis Cencillo, Bernhard, Polock, Melville -repara como há aqui músicos, arquitectos, filósofos, pintores. Nem sequer me confino ao meu país ou à minha pátria-língua;
– Palavra Comum: Que escritore(a)s (ou artistas, em geral) reivindicas por não serem suficientemente conhecidos (ainda)?
– Pedro Guilherme-Moreira: Catarina Lacerda: é natural, tem 19 anos. Nem eu quero que o seja tão cedo. Provavelmente, será assistente e investigadora universitária e nunca desenvolverá o seu talento de escritora e actriz, mas já escreveu dos mais maravilhosos e perturbantes textos de amor a que tive acesso. Pode ser que ela os trabalhe e edite, um dia. Seria a Rimbaud portuguesa. Também tenho uma certa fé na maiata Irandina. Creio que ela não gostaria que eu dissesse mais do que isto. A cordobesa Inmaculada Marín Gómez também escreve maravilhosamente.
– Palavra Comum: Que caminhos (estéticos, de comunicação das obras com a sociedade, etc.) estimas interessantes para a criação literária e cultural hoje (e para @s criador@s)?
– Pedro Guilherme-Moreira: Há um muito trabalhoso que tenho trilhado – Colocar os leitores (os observadores, os ouvintes) como objecto de todas as sessões literárias: isto é mais um caminho para a comunicação da arte; para a própria arte, o caminho faz-se enquanto se caminha, desculpa o cliché; se houvesse uma direcção média, eu tentaria afrontá-la 🙂
– Palavra Comum: Qual é a situação da literatura portuguesa hoje, do teu ponto de vista?
– Pedro Guilherme-Moreira: De gueto, de grupo, normalizada, pouco rasgo, poucas vozes únicas, muita cagança, pouco respeito pelos “monstros” vivos, pouca escuta dos sábios, poucos sábios (ainda por cima), descontrolo e falta de qualidade da imprensa no tratamento da informação cultural: nisto tudo, o trabalho é filigrana, meticuloso, caso a caso, cabeça a cabeça;
– Palavra Comum: Que perspectiva tens sobre a Galiza, nomeadamente em relação à Lusofonia?
– Pedro Guilherme-Moreira: Estou agora a perceber tudo melhor. A deixar que melhores ideias se formem. É um sonho antigo, a aproximação à Galiza. Creio que é urgente o abraço, porque, como dizia a Ledicia Costas, e bem, por mais que gostemos uns dos outros, sabemos muito pouco uns dos outros. Quero saber mais, quero abraçar mais, quero conhecer tantos escritores galegos como portugueses, ou mais, mas não, lá está, num sentido de “guetização”, mas de valor universal de ambas as literaturas, que manterá sempre a sua singularidade. Creio que os galegos devem defender o que é melhor para a sua língua. Numa primeira impressão, o galego oficial parece-me ter mais artifícios do que o “internacional”, ou seja, o português. Faz sentido que a evolução em Portugal seja de observar e seguir. Mas também faz sentido ouvir as vozes antigas, as vozes sábias.
– Palavra Comum: Que projetos tens e quais gostarias chegar a desenvolver?
– Pedro Guilherme-Moreira: O meu maior projecto é conquistar silêncio para escrever; o meu maior sonho deixar a advocacia e poder ter tempo para aceitar todas as sessões em escolas e universidades; e ir imprimindo os livros e falando com os leitores, imprimindo os livros e falar com os leitores; ou então só falar com os leitores; até morrer. No meio disso, há coisa fascinantes, como este projecto de aproximação à Galiza.
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