Uxio-Breogán Diéguez Cequiel (Madrid, 1978). Historiador e professor da Universidade da Corunha. Director de Murguia, Revista Galega de Historia e presidente da Fundación Alexandre Bóveda. A foto do autor é de Xan Muras.
– Palavra Comum: Que é para ti a história?
– Uxío-Breogán Diéguez: Para mim a história é, de umha banda, o tempo passado que (re)conhecemos e ponhemos em valor no presente (tendo em conta que há muitos factos que desconhecemos desse passado e que cumpre pescudar para os resgatar).
Por outra banda, a história é a ciência social que analisa esse passado e que, ao meu ver, tem de garantir umha marcada funçom social, melhorando a vida das pessoas. Começando por entender que o conhecimento do passado tem o valor central de descifrarmos este nosso presente (que nom deixa de ser, em grande medida, o resultado do tempo passado, de múltiplos processos nos que se dérom múltiplos factos, conectados dum ou doutro jeito). Se nom se persegue essa funçom social, para mim, nom tem sentido algum a história, em quanto disciplina e estudo centrado no passado.
– Palavra Comum: Como levas a cabo, no teu caso, o processo de investigação e trabalho arredor da história?
– Uxío-Breogán Diéguez: As minhas pesquisas ponhem o foco na história contemporânea da Galiza e Europa. Antes de mais reflexiono sobre a realidade dos movementos sociais e ponho especial atençom nas capas subordinadas, nos colectivos marginados e na articulaçom de discurso por parte destas e destes. Antes de iniciar umha investigaçom reviso a bibliografia que puider haver dum tema e quando vejo que há, ao meu ver, umha lacuna (temporal ou temática ao respeito) procuro cobri-la se o entendo de interesse para compreender melhor o nosso presente, tal e como apontava.
– Palavra Comum: Qual consideras que é -ou deveria ser- a relação entre a história e as artes -e a repercusão que tem na vida quotidiana-?
– Uxío-Breogán Diéguez: A escrita nom deixa de ser, dalgum jeito, umha forma artística. Acho que o ensaio sobre o passado deve ser mais atrativo do que normalmente vem sendo, abandonando um academicismo extemporâneo. Isto, de seguro, garantiria maior presença do ensaio histórico no nosso dia-a-dia, máxime entre as e os mais novos.
– Palavra Comum: Quais são os teus referentes como historiador (desde todos os pontos de vista)? Deles, quais reivindicarias por serem insuficientemente reconhecidos a dia de hoje?
– Uxío-Breogán Diéguez: Nascim em Madrid, num ambiente militantemente galeguista, rodeado de livros. Para além das obras de política, economia, sociologia ou poesia, destacavam lá as obras de história. Medrei com obras de Manuel Murguia, caso da sua “Historia de Galicia” editada entre o 1865 e o 1891, e “Galicia”, saída do prelo no 1888, assim como a “Historia de Galicia”, editada no 1979 pola Frente Cultural da Asemblea Nacional-Popular (AN-PG), junto a obras de Xosé Ramón Barreiro e Ramón Villares sobre o século XIX e inícios do XX, caso de “El levantamiento de 1846 y el nacimiento del galleguismo”, editada por volta do 1977, e “Liberales y absolutistas en Galicia”, saída do prelo no 1982, da autoria de Barreiro; e “Foros, frades e fidalgos. Estudos da historia social de Galicia” (1982), da autoria de Villares. Daqueles historiadores que redigírom a “Historia de Galicia” da “AN-PG”, sempre lembrarei a Francisco Carballo, ao que escuitei de neno por vez primeira numha palestra que deu em Madrid e do que fum colega com os anos.
Em relaçom a outras referências, dizer que ao pouco de chegar à Galiza, conhecim a Justo Beramendi a meados dos ’90 (do que vinha de ler “Vicente Risco no nacionalismo galego”). Foi um facto para mim muito importante, ao centrar-se ele na história do nacionalismo e eu ir-me decantando em favor desta temática como pesquisador. Com ele, assim como com outros e outras colegas, formei-me na Faculdade de Geografia e História da Universidade de Santiago de Compostela. Depois veu o tempo do doutoramento, sob a direcçom de Jordi Casassas Ymbert e o próprio Beramendi, na Universitat de Barcelona.
No que diz respeito a figuras por recuperar, acho que Murguia deve ser resgatado e socialmente posto em valor, superando a ideia de velho romântico pechado em arquivos entre milhares de documentos. Contextualizando a sua produçom no seu contexto, Murguia representou o nascimento da historiografia nacional galega, sentando os piares dos estudos sobre o pretérito galego com vontade totalizadora; sendo um activista e pensador, para além dum historiador romântico.
– Palavra Comum: Como vês o estudo da história em Galiza?
– Uxío-Breogán Diéguez: Acho que o estudo da história na Galiza nom passa polo seu melhor momento. A ediçom de obras sobre o pretérito da Galiza, e em galego, tivo um parom que de seguro deriva do facto de estar muito golpeado o sector editorial após estes anos de dura crise econômica (em que ainda estamos…). A desapariçom de editoriais como A Nosa Terra deu lugar a que perdesse visibilidade o estudo histórico sobre Galiza. Contudo, mantém-se um ritmo contínuo de publicaçons, monografias individuais ou colectivas. Ao respeito continuam a ser centrais as universidades galegas, particularmente a Universidade de Santiago de Compostela. Tamém debemos destacar que desde há quase umha década e média publica-se Murguia, Revista Galega de História, que continua somando assinantes. Elementos que verificam que há um apoio social (dentro do pouco que lê e do pouco que se mercam livros, olho…), ao ensaio histórico.
– Palavra Comum: Como historiador, que vínculos achas entre a história de Galiza e a de outras entidades nacionais e/ou culturais (nomeadamente Portugal, Brasil, etc.)? Quais deles permanecem ainda ocultos para as maiorias sociais?
– Uxío-Breogán Diéguez: Ao meu ver, está por estudar conjuntamente desde a Galiza e Portugal a origem de Portugal, a partir do velho Reino da Galiza.
– Palavra Comum: Que caminhos estimas interessantes para a criação cultural -e para a divulgação da história, em particular- hoje?
– Uxío-Breogán Diéguez: Acho que o activismo cultural na Galiza tem de revisitar todo o feito no primeiro terço do s. XX, entre outros/as, pola “Xerazón Nós”, assim como o produzido no exílio e durante a resistência no interior. Ainda há muito que redescobrir destas realidades, experiências das que tirar aprendizagem. Hoje semelha impensável botar a andar um projecto como o “Seminário de Estudos Galegos” (impulsado por estudantes universitários, no início da ditadura de Miguel Primo de Rivera) ou como essa rede político-cultural que conhecemos como ‘Padroados da Cultura’, para além da criaçom de revistas como “Vieiros” ou “Grial”. Impensável para muitos e muitas, mas hoje o galeguismo conta, quantitativamente, com mais recursos e capital (económico e humano) do que naqueles tempos e fica num contexto que nom é comparável co final do turnismo, para além da ilha que representou o tempo republicano, ou coa ditadura de Primo de Rivera e a franquista. Hoje “só” faz falta acreditar na necessidade dos projectos, nas forças e capacidades próprias, ter ilusom e ser criativo… (bom, todo o que lhe sobrava aos nossos devanceiros e devanceiras). Despois disto, o central é ser constante, para assegurar no tempo os projectos que se botam a andar.
– Palavra Comum: Qual é a tua visão sobre a língua galega (e a sua vinculação com a Lusofonia)?
– Uxío-Breogán Diéguez: Tenho umha grande preocupaçom polo estado de saúde do idioma da Galiza. Com isto, como com tantas realidades adversas, é melhor nom mirar cara outro lado. Nom devemos enganar-nos com as cifras, sobretudo porcentuais, que acompanham o nosso idioma, nomeadamente de galego-falantes (onde o uso habitual do idioma galego entre os mais velhos eleva as cifras de maneira, já digo, enganosa). Há que reparar em que entre as e os mais novos o uso do galego é testemunhal (e reflexo de umha falta de adscriçom à Galiza enquanto naçom ou, simplesmente, realidade diferencial…) e implementar dinâmicas que contribuam a acrescentar as cifras, garantindo futuro ao idioma (… e ao país, como tal).
A este respeito, e no outro tocante polo que perguntais, acho que há que visibilizar as possibilidades e oportunidades que dá a rede de países que tenhem por seu, como idioma próprio e oficial, o idioma que nasceu na Galiza e que modelárom durante séculos. Um idioma, o nosso, que se internacionalizou através de Portugal, aquel país que nasceu a partir do condado portucalense…, dando lugar a umha comunidade que soma mais de douscentos e cinqüenta milhons de falantes.
– Palavra Comum: Como seria a tua Galiza Imaginária? Que há dela na realmente existente a dia de hoje?
– Uxío-Breogán Diéguez: Gostaria de umha Galiza governada por e para si. Conhecedora do seu passado e dona do seu presente e futuro. Territorialmente bem planificada, que aproveitasse os seus recursos naturais para o bem-estar da sua maioria social e onde a cultura tradicional e o idioma próprio fossem devidamente valorizados. Umha Galiza, assim mesmo, internacionalmente presente e actuante, em favor dum mundo que nom margine nem discrimine por motivo algum (raça, gênero, nível econômico…).
– Palavra Comum: Trabalhas no ensino universitário. Qual é a tua visão das universidades e do ensino em geral?
– Uxío-Breogán Diéguez: As universidades, assim como o ensino público em geral, representárom no nosso rádio mais cercano, a partir de meados dos anos sessenta, grandes possibilidades para o acesso ao saber de muitas e muitos filhos das classes populares. Som lugares para o intercâmbio de inquedanças e pensamento, algo central para a evoluiçom da sociedade. O grande problema está na luita que se está a dar para reduzir o peso do público e converter o ensino, sobretudo universitário, num reduto para umha minoria adinheirada, para umha capa social privilegiada (realidade que se acentuou com a ‘crise econômica’ de 2008 até os nossos dias). Um processo que há que combater, dando-lhe visibilidade antes de mais, pondo ao descoberto as suas conseqüências.
– Palavra Comum: Que projetos vens de ter e quais gostarias chegar a desenvolver?
– Uxío-Breogán Diéguez: No 2015 rematei umha história completa do nacionalismo galego entre 1936 e 1975 (“Nacionalismo galego aquén e alén mar. Desarticulación, resistencia e rearticulación…”) e no presente ano dei lugar, junto a outras e outros colegas, a umha obra arredor das Irmandades da Fala diante do seu centenário (“As Irmandades da Fala, 1916-1931. Reivindicación identitaria e activismo sócio-político-cultural…”), as duas obras editadas por Laiovento, selo que realiza desde o 1991 um trabalho magnífico. Durante todo este ano seguirei centrado no apartado investigador e divulgador á história das Irmandades, nomeadamente até a celebraçom do Simpósio que sobre as mesmas organizamos em Compostela entre o 17 e o 19 de novembro no Museu do Povo Galego.
Nos inícios do ano vindeiro será o momento de reflexionar sobre que novas linhas de investigaçom abro.
– Palavra Comum: Que opinas de Palavra Comum? Que botas de menos aqui?
– Uxío-Breogán Diéguez: Quando soubem do lançamento de Palavra Comum, da mao do amigo Ramiro Torres, gostei muito da iniciativa. É um projecto que há que cuidar e agrandar e ao que lhe aguardo longa vida.
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