O Camões, Instituto da Cooperação e da Língua, I.P. é uma instituição com 90 anos de história, está presente em mais de 80 países e mais de 400 universidades. O Centro Cultural Português do Camões, I.P. em Vigo cumpriu em 2018 o seu vigésimo aniversário. Têm sido muitas as colaborações e os projetos que tem unido através da língua a criadores, artistas e autores e intensificado as relações entre Portugal e a Galiza. A coordenadora, Carla Sofia Amado, fala-nos de como tem sido a sua trajetória nos últimos anos.
O Centro Cultural Português do Camões, I.P. em Vigo, do qual é responsável, cumpriu recentemente o seu vigésimo aniversário, que balanço faz desta presença na Galiza?
Em Vigo, o Polo do Centro Cultural do Camões, I.P. abriu, de facto, as suas portas a 20 de outubro de 1998. Considero que o papel desempenhado pelo Centro Cultural, devido à particularidade da situação histórico-geográfica da Galiza para com Portugal, respeitando a multiplicidade de identidades, línguas e tradições que conformam e enriquecem este território geográfico, em simultâneo tão próximas e tão díspares, tem o privilégio de poder assumir através da sua atividade o cumprimento dos propósitos de proteção e divulgação do património cultural e natural, material e imaterial comum entre Portugal e a Galiza e de estar inserido num contexto histórico-linguístico muito favorável à promoção da cultura portuguesa e das culturas de língua portuguesa no seu relacionamento com a própria cultura galega e espanhola. Sou, portanto, da opinião que o balanço destes 20 anos é de um crescendo muito favorável para as relações culturais entre Portugal e a Galiza.
Na celebração dos seus 20 anos o Instituto teve oportunidade de homenagear o pianista Bernardo Sassetti, falecido em 2012, assim como contar com a presença da Teresa Salgueiro (que se deu a conhecer como voz do grupo Madredeus) e que veio falar da evolução da música portuguesa na Galiza. Pode contar-nos um pouco mais sobre esta iniciativa e com que sensações ficou?
Sim, de facto, todas as atividades que organizámos no ano passado tiveram uma tónica muito especial de pretender elevar o relacionamento de amizade entre Portugal e a Galiza e de, simultaneamente, ir comemorando os 20 anos do Centro Cultural, ao, de algum modo, ir realizando iniciativas que implicassem todas as relações institucionais, todas as parcerias culturais, académicas e associativas que o Camões, I.P. detém na Galiza. Na minha opinião, as atividades comemorativas que organizámos confirmaram esse excelente relacionamento que une ambos os lados da fronteira, já que, em todas elas, houve um trabalho ou de parceria ou que contou com apoio de outras entidades.
“São estes frutos que pretendemos colher com o nosso trabalho no teatro e em todas as áreas: motivar criadores, autores, artistas dos dois lados da fronteira a unir-se e a trabalhar juntos”
Os projetos e as colaborações (53 projetos em 2018) que tem desenvolvido com entidades, promotores e artistas têm sido fundamentais para a promoção da Língua e da cultura portuguesa na Galiza? Quais são os objetivos do Instituto a curto, médio prazo?
Estamos conscientes que sim, que o trabalho destes já mais de 20 anos tem contribuído e muito para que a nossa língua e a nossa cultura sejam cada vez mais (e melhor) conhecidas na Galiza. O Centro Cultural do Camões, I.P. em Vigo tenciona, sobretudo, fortalecer as parcerias que já detém com entidades das diferentes áreas culturais, tanto portuguesas como galegas e continuar a identificar sinergias que se possam revestir de interesse para a criação de algumas novas atividades, não esquecendo também a nossa sempre renovada oferta de cursos de língua portuguesa, a que também pretendemos dar continuidade.
Mais recentemente, e cito só alguns, o Instituto apoiou o festival “Escenas do Cambio”; o Salón Internacional do Libro Infantil e Xuvenil de Pontevedra; o Congresso de Estudos Internacionais Galicia e a Lusofonia, organizado pela IGADI; em 2018 esteve presente na Feira Culturgal onde Portugal foi o país convidado. É fundamental para o Camões, I.P. fortalecer e fomentar estes vínculos gerando assim um valor de futuro?
Sim, as parcerias com agentes culturais locais e portugueses que temos estabelecidas e que implicam a organização de atividades regulares ou pontuais são da maior importância para nós. Esse tipo de sinergias permite-nos atuar com mais estabilidade a médio, longo prazo, assim como oferecer ao público a possibilidade de contactar com nomes maiores da cultura portuguesa.
Vou destacar uma frase sua que li numa outra entrevista onde referia um projeto colaborativo muito recente no âmbito do teatro: “fomentar, através do diálogo cénico, melhora o conhecimento mutuo com vista a colaborações futuras”. Considera ser fundamental esse contacto vivo entre artistas galegos / portugueses não só para melhorar o conhecimento das próprias colaborações, mas também para potenciar o elo cultural?
Na minha opinião, o teatro é uma das áreas culturais que melhor permite a saída de uma cultura de massas. É uma manifestação artística que desenvolve de forma criativa a espetadores e atores um olhar crítico sobre o mundo, cumprindo assim uma função grandemente social. Desse modo, o teatro une as pessoas e coloca-as a trabalhar em conjunto, ativamente, num meio quase sempre circunscrito, mas aberto. Das atividades que organizamos, o teatro é, sem sombra de dúvida, das mais dinâmicas, das mais acolhidas e apreciadas. O nosso Centro Cultural tem um grupo de teatro amador a funcionar há já quase 6 anos, o grupo “Eu.Experimento”, com uma produção própria já muito sólida e regular e abraçamos também o trabalho da PLATTA – Plataforma Transfronteiriça de Teatro Amador, que une Portugal, Galiza e Castela e Leão e é integrada por Portugal por grupos do Centro Dramático de Viana – Teatro do Noroeste. Desde este ano, fazemos ainda parte de um projeto em colaboração com o Concello da Cultura Galega e a Escola Superior de Artes Dramáticas da Galiza, chamado “Dramaturgias Itinerantes” e que pretende precisamente promover o que referia: o contacto vivo entre artistas galegos (Gal) / portugueses (Pt). Da sua primeira edição em abril (a próxima será em outubro), o projeto conseguiu já que duas autoras – Avelina Pérez (Gal) e Patrícia Portela (Pt) desenvolvessem um trabalho conjunto que deverá estrear em 2020 no Festival FITEI no Porto e em Vigo no outono seguinte. São estes frutos que pretendemos colher com o nosso trabalho no teatro e em todas as áreas: motivar criadores, autores, artistas dos dois lados da fronteira a unir-se e a trabalhar juntos.
“A aproximação da Galiza a Portugal e aos vários mercados de língua portuguesa contribui quer para o crescimento económico da Galiza (e vice-versa), quer para a sua afirmação cultural no mundo”
No passado mês de abril estreou-se em Santiago de Compostela o filme A Portuguesa, da realizadora Rita Azevedo Gomes, e que antecedeu curiosamente a estreia em Portugal; obra que adapta um conto do romancista Robert Musil e que se baseia na história de uma mulher portuguesa. Este filme teve um enorme êxito no Festival de Berlim e foi premiado em muitos outros. Quer falar-nos um pouco mais sobre esta iniciativa?
A parceria com a NUMAX faz parte das que mais estimamos. Esta iniciativa em concreto fez parte de um conjunto de várias que entre fins de abril e inícios de maio deste ano difundimos como comemorativas do Dia da Língua Portuguesa e Cultura na Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), que se celebra a 5 de maio. Achamos que o enredo do filme seria uma história interessante para cumprir esse objetivo, com diálogos escritos por Agustina Bessa-Luís, constituindo o cinema em particular uma boa forma de difundir as culturas da CPLP. A NUMAX assumiu um papel central na promoção do cinema português na Galiza, organizando oficinas com realizadores portugueses, retrospetivas e ciclos de cinema português, assim como a distribuição em Espanha dos filmes de alguns cineastas, como é o caso de Rita Azevedo Gomes. Temo-nos associado a algumas das suas iniciativas, sempre que nos é possível, por reconhecermos, como dizia, esse papel que a NUMAX desempenha para a promoção do cinema português na Galiza, muitas vezes, como referiu, mesmo antes do trabalho de determinados autores serem (re)conhecidos em Portugal. Alguns dos maiores Festivais de Cinema da Galiza são também por nós apoiados, sempre que do seu programa faça parte a competição e/ou exibição de filmes de língua portuguesa. É o caso do “Primavera do Cine” (Vigo), do “Curtocircuíto” e do “Cineuropa” (Santiago de Compostela), assim como do “Intersección” (Corunha, para o cinema e o audiovisual).
A Carla Amado foi Coordenadora do Ensino de Português na Alemanha, que diferenças poderia destacar na divulgação da cultura e da língua portuguesa entre a Galiza e a Alemanha?
Tenho referido muitas vezes que é mais fácil o nosso trabalho na Galiza, pela questão de que aqui existe um interesse natural e intrínseco por Portugal e as culturas de língua portuguesa. Naturalmente que o interesse dos alemães não é de depreciar, porque é também grande e extenso nas várias dimensões cultural, académica e turística, mas as instituições e entidades galegas têm uma predisposição advinda dos séculos de história comum, da proximidade geográfica e linguística, da cultura, em parte, partilhada. Também devo dizer que a aproximação da Galiza a Portugal e aos vários mercados de língua portuguesa contribui quer para o crescimento económico da Galiza (e vice-versa, claro está), quer para a sua afirmação cultural no mundo.
Para terminar, gostaria de partilhar com os nossos leitores alguma experiência ou alguma história que considere relevante na sua coordenação do Centro Cultural Português do Camões, I.P. em Vigo?
Ainda comparando com a Alemanha, devo dizer que a minha aculturação à Galiza e ao trabalho académico e cultural aqui foi bem mais fácil do que poderia ter alguma vez imaginado. Não tive quaisquer dificuldades linguísticas ou choques culturais de grande dimensão, como sei ter tido há 16 anos atrás quando fui para a Alemanha pela primeira vez. Logo no início, verifiquei o quão enraizados trazia determinados métodos de trabalho, já que a Alemanha é um país algo diferente em termos organizativos e planificativos e, nesse aspeto, vivi alguns momentos curiosos e até divertidos, relativos à minha quase obsessão por reunir, trocar opiniões e planificar, mas nada que fosse difícil ultrapassar, até porque os hábitos galegos nos facilitam a vida em muitos outros aspetos do trabalho e da vida do dia-a-dia.