Em parceria com o Correio do Porto, a quem agradecemos enormemente a proposta (nomeadamente a Paulo Moreira Lopes), publicamos esta escolha de uma entrevista com o artista visual uruguaio Clemente Padín, em versão galego-portuguesa. No Correio do Porto foi publicada posteriormente a entrevista completa, com as respostas do autor na sua língua original.
As perguntas foram realizadas pelo próprio Paulo Moreira Lopes, Fernando Aguiar, Nádia Poltosi e Ramiro Torres (indicando a autoria no início de cada uma delas).
– Paulo Lopes: O que é para ti a utopia?
– Clemente Padín: O mesmo que para todos: um caminho cujo fim é o próprio caminho.
– Paulo Lopes: Ainda continuas crer e a esperar em liberdade, na igualdade de todos os seres humanos, independentemente de opiniões, sexo, raça, etnia, política, religiosa, e também da condição social e económica?
– Clemente Padín: Não sou tão ingénuo como quando era mais novo mas, basicamente é o pilar do meu pensamento. Sempre me acompanham as palavras de Epicuro: de que serve a filosofia (a arte) se não está ao serviço da gente?
– Paulo Lopes: Achas que um artista interessado em descobrir a verdade nunca será economicamente auto-suficiente, por viver e trabalhar em perfeita antítese ao mercado?
– Clemente Padín: Não é fácil, mas é possível… no meu caso devia trabalhar noutras profissões para subsistir com a minha família. Hoje em dia, embora sem procurá-lo conscientemente, cota-se-me no mercado… Não me sinto responsável, o capitalismo põe-lhe preço a tudo: ao ar, à água, ao amor…
– Paulo Lopes: És contra a arte pela arte, que visa exclusivamente o divertimento e o entretenimento?
– Clemente Padín: Pessoalmente sim, mas não posso deixar de apreciar o genuíno da arte de qualquer natureza… a arte pela arte ou a arte comprometida não podem deixar de expressar a sua época e locus, embora não quiserem…
– Paulo Lopes: Vais viver até ao fim inconformado com os ditames do comércio global e do poder político?
– Clemente Padín: Acho que sim, trata-se de um processo sem fim cara à liberdade ou cara o que se desejar… derrotas um dragão, mas aparece-se-te outro maior e assim continua…
– Paulo Lopes: Como defines o movimento da arte postal? Achas que a arte postal tem futuro num momento em que existe facilidades de comunicação entre os artistas (email, blogues, sites, facebook, etc)?
– Clemente Padín: A arte correio deveria chamar-se “arte da comunicação” ou “Communication Art” porque privilegia a comunicação, e, aliás, é a característica mais importante do humano e o humano prevalecerá enquanto existirem dois interlocutores… Lembremos o ETHERNAL NETWORKING de Robert Filliou, o modelo utópico da perpétua expansão da comunicação em toda a humanidade e em todos os espaços geográficos e as épocas por vir não cessará… Por outro lado, qualquer suporte (serviços postais oficiais, fax, e-mails, websites, blogue e as futuras formas de expressão que, inevitavelmente, irá descobrindo a tecnologia) pode veicular comunicações.
– Fernando Aguiar: A performance é uma expressão sem corpo?
– Clemente Padín: A performance (ou artes da acção, como prefiro chamá-la) é impossível sem o corpo… o corpo é o instrumento expressivo por excelência… algo assim como o pincel para a pintura o o cenário para o teatro…
– Nádia Poltosi: A Arte Postal é uma obra aberta e democrática. Hoje há projetos onde até crianças produzem. Todos os trabalhos adquirem a mesma relevância ou há uma hierarquia de artistas velada?
– Clemente Padín: Todos os trabalhos são iguais: produtos de comunicação, não há hierarquias, nem mais belos ou mais feios… por esse mecanismo saem-se do mercado da arte, pois quem lhe poria um preço a uma “saudação”, a um “Estou cá!”… lembre-se que as exposições foram um produto posterior da arte correio… o importante é a comunicação pessoal entre artista e artista…
– Nádia Poltosi: A internet é um instrumento atual para divulgação de projetos e convocatórias, encurtando distâncias e tempo. Este procedimento na sua opinião é válido?
– Clemente Padín: É completamente válido e vão sê-lo as novas formas de envio de mensagens que descubra a tecnologia, for o transporte digital de objecto o ou o que for… O movimento não se desqualificará, pois a comunicação é eterna e necessária para completar o processo de “humanização” da humanidade (porque ainda não se completou)…
– Nádia Poltosi: A Arte Postal teve grande impulso a partir do ano 1960, muitos artistas vivendo sob regimes autoritários ou com liberdade vigiada a utilizavam como meio para manifestos artísticos, denúncias, censuras, políticas… Percebo hoje que projetos e convocatórias pouco usam este fim elegendo assuntos mais amenos. O artista está mais intimista? Alienado? Ou o planeta está mais “colorido”? Para você, qual o papel do artista postal em 2016? Com a força da tecnologia o artista postal tem ainda voz?
– Clemente Padín: A arte correio não teve um grande impulso nos 60, nasce nesses anos, embora a proposta de Ray Johnson só se aplicava a Nova York… Formaliza-se arredor dos 70 quando Ken Friedman e Dick Higgins fazem dele uma arte cosmopolita, ao difundir os endereços postais de todo o mundo a todo o mundo… Quanto à segunda parte da pergunta devo dizer que sim: para muitos artistas a arte correio foi a única opção para manter-se vigente na sua profissão em razão das ditaduras e os regimes autoritários… Ainda comove a postal que difundiu Guillermo Deisler desde o seu lugar de exílio na Europa, em Bulgária, quando dizia que o 15 x 10 da postal era o seu único espaço de liberdade pessoal…
– Ramiro Torres: Qual é a tua visão sobre as relações (existentes ou potenciais) entre artes? Que experiências tem, neste sentido?
– Clemente Padín: Pois, precisamente, na Universidad de Buenos Aires, na UNA (Universidad de Artes) dito um curso de pós-graduação chamado LINGUAGENS ARTÍSTICAS COMBINADAS… aquele velho esquema das artes que tinha à poesia e à literatura como pontos excelsos, desfilando por baixo dela as demais artes, uma por uma, qual se fosse o desenho de uma sociedade vitoriana com os seus estratos sociais, foi substituída pelo conceito de Dick Higgins de INTERMEDIA, que explica por que uma partitura musical puder ser lida como um desenho industrial, etc.
– Ramiro Torres: Que vínculos existem, ao teu ver, entre Arte(s) e Vida?
– Clemente Padín: Bem, supunha-se que a arte da acção enchia esse requisito, mas o mercado apodrece tudo (quer dizer, o capitalismo apodrece tudo) e, hoje, não estamos mui certos disto… Hoje em dia, a performance é uma indústria que move milhões de euros… Por outro lado, seguindo Duchamp, diríamos que a arte pode provir da arte ou pode provir da vida… por exemplo, a Conceptual Art origina-se na arte e o conceptualismo latino-americano na vida.
– Ramiro Torres: Que projectos tens e quais gostarias chegar a desenvolver nalgum momento?
– Clemente Padín: Não tenho projectos… Estou canso da arte… Estou canso de mentir e de manipular à gente… Estou canso de acreditar ser eu um pequeno deus… Estou interessado no que está a passar-se, para que posso fazer porque “a arte é insuficiente”…