Paulinho duma Perna Torta – O rei da boca do lixo.*
Aos 82 anos, o homem que já foi considerado “o intocável das bocas”, rompe o silêncio, conta detalhes e curiosidades de sua vida. O menino engraxate que se tornou o cafetão mais famoso de SP, na década de 1950, revela que entre uma malandragem e outra, foi o inventor da rota da ciclovia na cidade.
Por Michel Yakini
De São Paulo (SP).
O senhor já foi uma figura famosa na cidade. Sente saudades desse status de estrela que a malandragem lhe proporcionou?
Paulinho duma Perna Torta: Senhor não, Paulinho duma Perna Torta, sem tirar nem por, pois foi assim que o Laércio Arrudão, grande parceiro, me batizou. (Pausa longa) Quem não gosta de ser rei? Hoje o frango rouba a galinha e ganha a foto da capa do jornal. Na minha época era eu, o Saracura, como é mesmo? O Marrom, o Diabo Loiro, o Bola Preta e o Laércio Arrudão, a gente sumiu do mapa, mas não era dessa viração chifrim de hoje, não. (Pausa longa) Só que essa fama era coisa da imprensa, cheio de pé-ré-pé-pés, espalhando mais brasa do que deve. Só não gostava quando aparecia foto minha sem óculos escuros, nem charuto, isso era coisa de jornaleco.
E a lendária Casa de Detenção? Você esteve lá em 1954, por qual motivo foi sua prisão?
Paulinho duma Perna Torta: (Tosse bastante) Depois de 53 a casa caiu, meu capital tava se esfacelando e a polícia no meu calcanhar, precisei trambicar. Lá virei o malandro dos malandros, o juiz da cela, corria maconha, tóxico, cachaça e carteado, vivia mais acordado que todos os carcereiros juntos. Corri pavilhão, tive prisão especial, conheci os malandros que mexiam com falsificação internacional e a macumba respeitada do Zião da Gameleira. Dois anos e meio e a grana correndo por fora, ganhei um alvará de soltura. Só foi eu pisar no meio fio da Av. Tiradentes e os tontos da crônica policial me fotografavam.
Muitas mulheres falaram na imprensa que eram extorquidas pela sua quadrilha, quando vocês dominavam as bocas do Bom Retiro. Isso aconteceu mesmo?
Paulinho duma Perna Torta: Conversa de gente invejosa. Eu era tratado como doutor, inclusive pelos jornalistas, me levavam pra ver o futebol até na Argentina, Uruguai, Peru. Atraí muita cobiça, mas sempre tratei minhas minas muito bem. Só me apaixonei por uma, a francesa Ivete, a que me deu uma magrela Philips de presente. O resto, como dizia Laércio Arrudão, são frescuras do coração.
Dizem que você adorava desbravar de bicicleta por essas ruas do centro. Trocaria a magrela por um carrão pra dar um giro pelo Bom Retiro?
Paulinho duma Perna Torta: Nunca, sempre gostei da magrela, ainda mais com essa história de ciclovia que tem agora. Tudo papo furado, quem inventou a rota das magrelas por aqui fui eu, Paulinho duma Perna Torta, sem tirar nem por, não foi prefeito e nem cidade estrangeira, isso aí é tudo pé-ré-pé-pés. Andava com minha magrela com ou sem caraminguá no bolso. Pegava por baixo do viaduto da Alameda Nothmann e cortava os trens da Sorocabana folgando, pedalando ao contrário no impulso da decidinha. Depois seguia arrastado pelo bonde lerdo da Barra Funda zunindo como abelha, na descida longa tirava uma fina entre o bonde e o caminhão, chispava no trim-trim e caia na Pacaembu, ganhava a avenida larga e numa flechada alcançava o estádio. Na hora de abrir a Boca do Arrudão, tocava de volta: Pacaembu, Barra Funda, Campos Elíseos e Bom Retiro, só pedalando. (Acende um charuto e sorri).
Quer deixar alguma mensagem final aos nossos leitores?
Paulinho duma Perna Torta: Eu merecia uma homenagem dessa tal prefeitura, por ter inaugurado, antes da pindaíba de 53, a rota dessa tal ciclovia. E que na condecoração coloquem: Paulinho duma Perna Torta, sem tirar nem por, porque ultimamente deram pra encurtar meu nome, já vi essas liberdades por aí. (Pausa para tossir) Desse jeito São Paulo inteiro acabará me chamando de Perna Torna. Não gosto. (Pausa Longa) Qual foi mesmo sua pergunta?
*Essa é uma homenagem a João Antônio, escrevinhador da boemia, da malandragem e das mesas de sinuca. Autor de clássicos como ‘Malagueta, Perus e Bacanaço’ e ‘Malhação do Judas Carioca’. Se vivo, em 2017 completaria 80 anos. Em 1975 lançou ‘Leão de Chácara’ que apresenta o conto “Paulinho Perna Torta”, personagem que tive a honra de entrevistar. João Antônio faleceu em 1996 no Rio de Janeiro.
Michel Yakini é escritor e produtor cultural.
NOTA DA PALAVRA COMUM: a fotografia do autor é de Sonia Bischain.
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