“Nunha época en que se valora o monolitismo temático, ofrecemos agora un poemário miscelánico até o paroxismo”, afirma o texto estampado na quarta capa de Versos fatídicos (Positivas, 2011), mais recente volume da obra literária de Alfredo Ferreiro. Com efeito, os textos poéticos assinados pelo autor corunhês desde meados dos anos 1990 – o volume reúne, ao lado de inéditos, poemas publicados em espaços diversos ao longo de dezesseis anos: entre 1994 e 2010 – revelam-se múltiplos tanto no que tange à realização formal quanto no que diz respeito ao temário abordado; por outro lado, isso não é algo de novo na obra de Ferreiro, sendo já patente em Metal central (Espiral Maior, 2009). O que nos revelam as novas composições é, por conseguinte, a obra de um escritor que segue predisposto a riscos. Alfredo Ferreiro parece receptivo à ideia de uma obra em permanente progresso e sempre sujeita à revisão – o que de resto se coaduna com uma indeterminação que, em textos biográficos, entende como uma condição original sua.
A partir do que foi dito, talvez possa ser lida como uma poética pessoal a Visión do médium, peça inicial do livro, em cujo primeiro verso lemos: “Escribir un poema debe ser un diluvio que agoniza. / Que aperta con violencia o corazón contra si. / Que sufoca até o límite. / Como a imaxe do mar no horizonte”. Há aí um sentimento de urgência que, perceptível em Metal central, agora retorna, integrada à mundivisão de um poeta para quem parecem poucos nítidos os limites entre a vivência cotidiana – sobretudo em sua dimensão mais propriamente afetiva, ou mesmo intuitiva – e a experiência literária. De fato, a poesia de Alfredo Ferreiro alcança os melhores resultados quando enfrenta a mais dura matéria vital; algo nítido em um poema como Vendima, uma das mais belas composições do livro, em que a pungência dos versos iniciais – “Oh vello, estás deitado / e no recanto do cuarto, / arde o caxato impregnado / coa suor de tantos anos” – se estende até o doloroso – e poderoso – desfecho: “Labrador dos teus días, / chega a túa vendima. / Mentres cae na negra tinalla / o alquímico sangue / da túa familia.” Mais distantes ficam outras obras, como certos poemas da seção 1(1) texto(s) automático(s), em que a potência lírica parece dissipada em meio à busca pela figuração do inusitado; ainda assim, ali se encontram textos de notável qualidade (veja-se, por exemplo, o III: “Cantan as aves con asas tensas de violino. / Nais fixas na penumbra / acosan nosos soños de arcos e columnas. / Cravemos os ollos na distancia: / o camiño que nos leva / flúe como río de estridencias”).
Versos fatídicos é obra de um poeta que, pouco afeito a formas estabelecidas e a fórmulas consolidadas, não parece conceber a possibilidade de uma literatura isenta de riscos. “Como escribir un texto sen permitir que as maos se desfagan em pedazos de caduca carne, aristocraticamente decentes por sangue e comuñón?”, lemos em A creación que nos gasta. Alfredo Ferreiro faz parte dessa estirpe de autores que extrai do presente a palavra; autores para os quais a escrita, enquanto construção de um caminho determinado pelo pendor poético, jamais poderá prescindir de uma – ostensivamente reconhecida – condição fatídica.
Henrique Marques Samyn
Professor de Literatura na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)
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