“Caminando, caminando
Voy buscando libertad
Ojalá encuentre camino
Para seguir caminando…”
Víctor Jara – Caminando
Durante as minhas andanças por Santiago e Valparaíso, percebi que futebol, dor e resistência andam de mãos dadas na história chilena. Em Santiago, alguns estádios foram campo de concentração e tortura na ditadura de Pinochet. No Estádio Chile, por exemplo, aconteceu a execução de Vítor Jara, um dos artistas mais emblemáticos do país e que atualmente tem seu nome batizando a mesma cancha. Já no Estádio Nacional, onde a seleção manda seus jogos, há lembranças doces e espinhudas, pelas lágrimas da repressão, mas também as alegrias pelo título da Copa América em 2016, vencida pelo Chile, e pela Copa de 1962, sediada ali e vencida pelo Brasil.
Na Primavera del Libro, no Parque Bustamente, encontrei uma dupla vendendo uns artigos do Colo-Colo, time de maior torcida do país. Disseram que a equipe foi fundada por jovens que não podiam jogar e nem participar das decisões em outra agremiação e assim nasceu o Club Social y Deportivo Colo-Colo, nome de um cacique Mapuche e que tem no escudo atual a imagem de um indígena. Soube que o ato de rebeldia desses jovens foi chave pro time se tornar popular, pois o Colo-Colo não representa uma imigração específica (inglesa, italiana, espanhola) ou uma universidade, algo muito comum no Chile.
Dias depois, entre as ladeiras e miradores de Valparaíso, a paisagem nos convidou pra banhar a coroa e desejar bons caminhos à beira do Oceano Pacífico. E foi pra lá que fomos, Sonia Bischain e eu, nos últimos dias de viagem em terras mapuches.
Durante uma caminhada, percebemos uma movimentação em frente ao campus da Universidad Católica. Era uma rua fechada, dois golzinhos, uma bola, uma narração improvisada, a torcida empolgada e muitos cartazes: “Huelga Legal”, “Trabajadores de la U. Católica en lucha” e outras mensagens ativistas nas paredes. Era a partida entre Las Preciosas vs Las Guerreras, times formados por professoras, funcionárias e estudantes do campus, que reivindicavam melhores condições de trabalho e marcavam gols no asfalto pra “llamar la atención del pueblo”.
Futebol de rua, ou melhor, Fútbol Callejero sindicalista fazendo luta com alegria e descontração. Num deu outra, ficamos na curiosidade de saber quem estava ganhando, quem eram as craques e as fintas que ritmavam a narração, uma atração a mais na calçada. Las Preciosas ganhavam por 3×0 e dominavam a peleja e tinha até troféu pra ser entregue a equipe campeã.
Antes do final da partida saímos para ver o mar, sem ver quem levou o título, mas isso pouco importava já que na volta Las Preciosas e Las Guerreras estavam juntas fazendo uma aula de dança aberta, imitando os passos da professora que somava ao movimento. Poesia no esqueleto e no revide.
Esse futebol de rua e a dança ao ar livre durante a greve me fizeram refletir sobre as glórias e lamentos chilenos, nessa encruzilhada entre a política e a bola e da origem rebelde do Colo-Colo, “el equipo del pueblo”. Pensei no quanto as ações de resistência por vezes soam como antônimos de celebração e percebi como as Guerreiras-Preciosas de Valparaíso e as histórias de reinvenção do futebol chileno fortaleceram minha intenção de que luta e lira, riso e reza, gol e greve são duplas de zaga que fazem de qualquer defesa um lugar muito além de chutões e cara amarrada.
NOTA DA PALAVRA COMUM: as fotografias do autor e a que acompanha o artigo são de Sonia Bischain.
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