Peregrino que procuras o caminho apertado e difícil que conduz à luz, não esqueças cumprir com o teu devido dever, teu dever é imediato! Teu sagrado compromisso, não pode, nem deve, aguardar pelas tuas conjeturas térreas e mundanas.
O mundo é um teatro de sombras, nada mais, criado para experimentar a desilusão do ingénuo. Somente quem prova sua maçã conhece o eterno segredo.
Mundo triste, sem compaixão, este não é teu local de aguardado alento. Não existe aqui nenhuma cidade, chamada no mito El Dorado.
Viciado na época negra da guerra e da solidão, o mundo cavalga turbulento. Sonhos levantados de miséria, peste, medo, cansaço, ódio, desilusão, às pessoas que caminham pela senda da mundanidade são em suas auras projetados.
Mas tu, peregrino observador de teu interior revoltado: sabes da luxúria, da errada sensualidade, do engano, das distorções ególatras no altar da verdade; da procura do prazer insano, de sexo sem amor e, por tanto, ingrato. Doidos os seres na intenção de saciar a doente sensação das compulsivas faltas. A noite e a fugida na dor, por meio de estimulantes e o entorpecente elixir criador de paraísos falsos (como falto estavas de carinho e compreensão, assim tuas atuais faltas). Sabes, peregrino, do apego dos homens à matéria, ao vicio, e mesmo à sombra da mesquinha degradação no infinito universo triste. As viagens degenerativas na morte e escuridão, na fome de falsas glórias! Em nome dum pequeno deus, teimoso e egoísta.
Por isso agora, ó tu, peregrino que já te tornaste vencedor do ciclo daquelas misérias, que já por meio da luta interior conciliaste teus opostos, que já pela amarga perseverança, fé e alta dignidade na divina missão tornaste tuas sombras em luz acesa… Escuta com grata atenção a palavra certa: faça-se em ti a nobre e primordial vontade que abre o primeiro olho! (Pergunta-lhe a Shiva)
Domando os leões da tentação por meio do caminho certo da força espiritual, abre tua morada e livra tua casa das últimas sombras! Tira tua velha roupa que já não presta para albergar novas e viris caminhadas! Faça, pois, em ti com que tua luz brilhe, com elevada compaixão, dentro dos grilhões psicológicos e mentais, que ainda te retêm a este hemisfério preso. Sejas por fim, com a força do criador, para sempre libertado!
Caminhante intrépido e destemido, tu que já ultrapassaste o portão da vulgaridade, que já penetraste e saíste com vida do labirinto negro da profanação ritual, acouga por fim teu ânimo. Em teu natural e verdadeiro ser, aceda agora ao umbral que dá passo ao temível, renovador abismo. Nele um guardião impedirá totalmente o acesso, àqueles que ainda carreguem (com eles, mesmo sem saber) algum vestígio do velho inferno (in-fera, ou dentro da esfera labiríntica da guerra e da incompreensão). Somente será permitida a entrada àqueles que obtivessem pelo sacrifício a cruz do amor, e de tal honor não façam alarde nem duvidem.
Se teu coração não nascer da fonte virgem esmeralda, não ouses adentrar (não ouses adentrar também se não tiveres reforçada confiança, ou se a dúvida na tua frente pairar ou o temor a conseguir de novo abrir a tua mal embrulhada caixa); retira precavido, então, se assim for, os teus passos deste abismo!
Sobe pela pendente a montanha que separa seu sopé da ponte sobre o céu escuro. Verde existe no alto sempre um resplendor, tenta chegar a seu cume. No cume sempre toda visão inunda de ar limpo a alma; e se conquistares, pelo esforço próprio, tão elevada posição, trás vencer os obstáculos da parede de pedra e gelo, provavelmente todo teu corpo se há de se tornar um campo do renascimento.
Nessa nova condição teu coração já é fabricado de fogo verde esperança.
Com a chama violeta permutadora da ilusão, desce agora e enfrenta sem medo o temível guardião teimado nas tuas velhas ânsias (contempla com os novos olhos da realidade o amável que se tornou para os seres renovados). Ele (o antigo feroz cuidador) abrir-te-á a rampa sólida da compreensão para que continues tua vitoriosa marcha, agora por cima deste mesmo abismo. Mas tu, bom amigo, não deves esquecer a lâmpada ígnea que permite alumiar as sombras que ainda restam, até a porta majestática chegar daquela Jerusalém celeste (que foi motivo da tua partida e ânsia alegre por teu chegar, a profunda certeza da vida).
Acomoda-te, renovado caminhante, teus pés sobre o abismo estão segurando a luz da tua milenar lâmpada, à direita da esquerda mão (aquela que controla renovado teu verdadeiro poder, que é a chave dos teus batimentos) Sustenta, pois, com firmeza o castiçal da chama sempre sagrada. Ulterior o guia te há de levar ao final à fonte sonhada.
Precisas a cada instante morrer, peregrino de vocação, até saciar a fome do livre arbítrio.
Precisas morrer, a cada instante, até obter a definitiva cessação, no teu ventre, do ego profano (que com sua negra magia a ti também te profanou, ate tornar-te o símbolo da queda na física desgraça). Somente com essa profunda extinção chegará o advento do novo Ser Superior inundar tua morada. Aquele, chegará, pois de tão natural habita escondido no mais profundo da tua procriada couraça. Elevar-se de novo há ao iniciar o caminho inverso da marcha.
Deixa que a velha armadura caia agora sobre o infinito vazio, no infinito chão, desde este apreciado, libertador abismo ao qual te agarras.
Enferrujadas ficaram para sempre tuas velhas e ingratas armas. Agora cavaleiro, uma vez trespassado este abismo trepidante (uma vez mais ao de novo recomeçar), poderás ao instante recolher teu novo brasão e tuas novas luminosas armas. O cavalo branco terás o privilégio de montar, somente, se no meio desta escura ponte te atrevesses a continuar firme na tua férrea travessia áurea. Já está! Lograste em terra firme de novo tuas pernas pousar, agora envereda por esta nova e mais clara mata. Não perguntes, não perguntes mais, embrenha-te e descobre!
Pax, sempre pax. Que a Eterna Luz te guarde!
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