Entre os dias 5 e 8 de setembro tive a honra de representar a Galiza em Cabo Verde no IIº Encontro de Escritores de Língua Portuguesa, um dos mais consagrados eventos da comunidade lusófona mundial, como escritor qualificado da Academia Galega da Língua Portuguesa. Ali convivi com escritores de toda a lusofonia, assim como com grandes vultos da literatura caboverdiana.
No dia 4 à noite saímos de avião de Lisboa para a cidade da Praia, capital de Cabo Verde. A comitiva que dali partiu, comandada pelos membros da União de Cidades Capitais de Língua Portuguesa (UCCLA), organizadora do evento, foi sempre bem atendida e cordialmente tratada em todo o momento. Não me admira, portanto, que o ambiente geral tenha sido de amabilidade extrema e até de fraternidade.
E não houve tempo nem vontade de perder o tempo: todas as mesas aconteceram impecavelmente e todos os intervenientes assumiram a importância das suas intervenções.
O público confirmou a pertinência dos assuntos tratados nas palestras, e até as intervenções dos políticos (Presidente da República, Ministro de Cultura, Presidente da Câmara Municipal da Praia, Presidente da Assembleia da Câmara Municipal da Praia, Vereador de Cultura) foram de grande altura, demonstrando que aquando se fala de literatura é porque se ama a leitura e se pratica sem pausa.
Outros cargos de interesse foram já mais próximos dos livros, portanto aí o vínculo já não surpreende ninguém, como no caso da Directora da Biblioteca Nacional ou do presidente da Academia Caboverdiana de Letras. Por parte da UCCLA, a equipa comandada por Vítor Ramalho, secretário-geral, com Rui Lourido na coordenação cultural, Carmen Frade na organização do evento e Anabela Carvalho na comunicação trabalhou com eficiência para que no encontro se fornecessem os meios e os tempos de um convívio frutífero, elegante e sem erros.
O Encontro tocou o tema “Literatura, liberdade e inclusão”, e isto permitiu que se falasse em assuntos do passado colonial, do processo descolonizador e da atualidade. Pela minha parte, tive claro que devia falar da necessidade urgente de a Galiza ver-se incluída na lusofonia, mas não de modo teórico senão orgânico, propósito que Academia Galega da Língua Portuguesa tem como principal desde a sua fundação há quinze anos. É por isso que na minha intervenção, inserida na mesa “Liberdade e inclusão”, falei deste modo:
«[…] Na atualidade existem instituições como a Academia Galega da Língua Portuguesa, que advogam pela necessi,dade de estarmos incluídos na lusofonia de modo orgânico. Tenho para mim que os escritores galegos precisamos do convívio fraterno permanente com o resto da lusofonia, não só para deter o incessante declínio da língua galega a que as políticas linguísticas governamentais nos têm condenado, mas para reencontrar-nos com o nosso próprio código genético.
Nos últimos tempos tenho participado em inúmeros eventos da Academia, cujos membros são grandes vultos da intelectualidade galega [e não da intelligentsia, muito pertinente diferenciação entre atitudes que exprimiu José Maria Neves, Presidente da República de Cabo Verde, no discurso de abertura]. No plano institucional, valorizo absolutamente o trabalho que a AGLP está a desenvolver desde há quinze anos: se Espanha beneficia de pertencer, como observador associado, à Comunidade de Países de Língua Portuguesa é graças à iniciativa galega, e esta foi promovida principalmente, até onde eu pude saber, pela Academia Galega da Língua Portuguesa. Seu trabalho nos âmbitos institucional, político e, quase diria, diplomático, foi exemplar desde a sua fundação, e os resultados ficam à vista. Santiago de Compostela é membro, por sua parte, da União de Cidades Capitais de Língua Portuguesa, instituição que promove este Encontro de Escritores, e este vínculo compostelano, e por extensão galego, foi também proposta e aposta da Academia galega mais internacional. Eu sei que estes acadêmicos têm às costas mais de cinquenta visitas de trabalho a Lisboa nos últimos anos, um trabalhão que demonstra saberem pôr em foco, com toda a sua inteligência, o benefício do país. Porque apoiar a língua de modo a colocá-la num lugar de prestígio é procurar um futuro para a nossa cultura e um modo de alimentar a autoestima da nossa sociedade […]».
O evento foi um entrar e sair de sessões, precedidas e sucedidas de refeições em que só tratar o tema proposto, a luz de experiências presentes e passadas, tinha espaço entre bocado e gole. Se houve um momento de distensão musical na cidade foi para encontrar-nos com um Prémio Camões como Arménio Vieira; se houve um jantar oficial fora do hotel que as albergava sessões e a intervenientes estrangeiros, foi para desfrutar da companhia doutro Prémio Camões, Germano de Almeida. Aliás, a toda a hora poetas e escritoras de Cabo Verde intervinham para participar com intervenções inspiradas e fraternas.
Outro dos momentos relevantes foi a apresentação da obra vencedora do Prémio de Revelação Literária UCCLA-CML: Cantagalo, com autoria de Fernanda Ribeiro (Brasil), um romance que foi muito louvado e mereceu toda a atenção do público.
Entre os escritores estrangeiros convidados tivemos a honra de, mais do que conhecer, conviver numa sorte de confraria improvisada com Luís Carlos Patraquim (Moçambique), Olinda Beja (S. Tomé e Príncipe), Luís Cardoso (Timor), Pires Lanranjeira (Portugal), Jorge Arrimar (Angola e Macau), Tony Tcheka (Guiné-Bissau), Fernanda Teixeira Ribeiro (Brasil), Inês Raposo (Portugal), Rita Marnoto (Portugal), etc.
Quanto aos autores caboverdianos, contamos com nomes como José Luiz Tavares, Mário Lúcio, Nardi Sousa, Vera Duarte, Germano Almeida, Daniel Mendes…
O encontro não esqueceu a devida homenagem a Amílcar Cabral pelo centenário do seu nascimento e a Luís Vaz de Camões pelo quinto centenário. A ambos os dois se deu cumprida referência em muitas ocasiões, valorizando a suas obras no passado e a projeção que a sua qualidade humana fornece para sempre a uma sociedade que sabe reconhecer o valor de quem se entrega de coração às causas mais nobres.
Eu, à vez que sentia que pisava uma terra irmã pelo simples e à vez profundíssimo facto de termos uma língua comum, tentei aproveitar ainda mais o tempo e consegui reunir-me com dois importantes agentes do sistema literário caboverdiano: Daniel Medina, presidente da Academia Caboverdiana de Letras (ACL), e Daniel Espínola, presidente da Sociedade Caboverdiana de Autores (SOCA), que me recibiram nas dependências institucionais com todo o protocolo que o seu escasso tempo, homens atarefados sempre, puderam dedicar-me.
Na volta a casa, trás vinte-quatro horas de avião, táxi e autocarros, carregado com livros de novos amigos e revistas de sociedades literárias muito ativas, um sorriso permanente manifestava na minha face o que sentia no coração.
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