José Augusto Seabra (nome literário de José Augusto Baptista Lopes e Seabra) era filho de José Luís Rodrigues Lopes de Matos e Seabra e de Alice Preciosa de Sousa Baptista. Natural da freguesia de Vilarouco, concelho de S. João da Pesqueira (no Alto Douro, norte de Portugal), onde nasceu a 18 de Fevereiro de 1937, viveu a infância em Peroselo, no concelho de Penafiel, e estudou no Porto, nos Liceus Alexandre Herculano e D. Manuel II. Neste último, foi um dos fundadores de O Mensageiro, jornal académico em que partilhou algumas “inquietações intelectuais” com alguns condiscípulos, nomeadamente Vítor Alegria e António Belmiro Guimarães.
Do Porto rumou a Coimbra, em cuja Universidade se inscreveu no curso de Direito e onde teve o encargo de organizar o Movimento de Unidade Democrática (MUD) Juvenil. A sua actividade conspirativa não passaria despercebida à PIDE, que lhe passaria busca ao quarto após uma denúncia com origem no Porto. Torturado em Coimbra e mais tarde no Porto, onde o obrigaram a vários dias de “estátua”, cumpriu mais de seis meses de prisão preventiva nos calabouços dessa polícia política. Julgado no Tribunal Plenário do Porto com quase meia centena de arguidos (quase todos estudantes), entre os quais se encontrava Agostinho Neto (futuro presidente de Angola), foi ilibado da acusação de ter cometido o crime de conjuração contra a segurança do Estado, por meio de associação ilícita e secreta; ficou também provado que não pertencia ao Partido Comunista Português (PCP), o que, porém, não evitou que fosse condenado a dez meses de prisão e cinco anos de privação dos direitos políticos.
Apresentando-se na Cadeia da Relação do Porto, foi de imediato transferido para Santa Cruz do Bispo (arredores do Porto) e alguns dias mais tarde para o forte de Peniche, onde teve como companheiros de cela Raul de Carvalho, Ângelo Veloso e Hernâni Silva. Nessa prisão, que também acolhia Álvaro Cunhal (futuro secretário-geral do PCP), permaneceu até às vésperas do Natal de 1957.
O ano de 1958, como dá testemunho no seu livro de memórias (De Exílio em Exílio, Fólio Edições, 2004), marcou uma viragem decisiva na luta política em Portugal. Foi o ano das eleições presidenciais, em que José Augusto Seabra participou activamente na campanha do general Humberto Delgado. O exemplo cívico de D. António Ferreira Gomes, Bispo do Porto (que associava ao dos homens da Renascença Portuguesa), iria marcá-lo fortemente, contribuindo para que um vasto conjunto de estudantes, artistas, jornalistas e outros intelectuais, fundassem (justamente no Porto) um movimento a que deram o nome de Convívio, dele surgindo a revista Coordenada.
Para terminar o seu curso de Direito, José Augusto Seabra obrigou-se ao “exílio” lisboeta a partir do ano lectivo 1958/1959. Na Faculdade de Direito, teve como condiscípulos Jorge Sampaio (futuro presidente da República), António Arnaut, Vera Jardim, Sá Borges, Miguel Galvão Teles e António Brás Teixeira, entre outros. Envolve-se então no movimento associativo académico, reanimou o jornal Quadrante, participou em acções anti-fascistas e colaborou com estudantes do Partido Comunista Português, sem, contudo, deixar de continuar independente.
Após a suspensão da revista Coordenada, colaborou noutras publicações, tais como a Seara Nova, Bandarra e Notícias do Bloqueio. Organizou o seu primeiro livro em 1961. Inicialmente intitulado A Solidão e o Voo, acabaria por ser publicado nesse mesmo ano com o título A Vida Toda. Ainda em 1961, com “um grupo de poetas inconformados”, fundou um Clube de Poesia. João Rui de Sousa era um desses poetas.
Ao aproximar-se o fim do curso, que terminou justamente em 1961, começou a preparar a sua fuga para o estrangeiro, evitando assim uma mais que certa mobilização militar, que o levaria seguramente à guerra em África. Escondendo da própria família essa intenção (a única excepção seria o Dr. Mário Cal Brandão, seu advogado e amigo), no final de 1961 rumou a Paris onde encontrou outros exilados políticos, tais como Emídio Guerreiro, António José Saraiva e Maria Lamas.
Na capital francesa, porque de pouco lhe servia o curso que obtivera em Portugal, decidiu matricular-se em Ciências Políticas. Não tardou a que fosse eleito presidente da União dos Estudantes Portugueses em França (UEPF), situação que lhe permitiu inúmeros contactos com organizações estudantis de outros países, a quem procurou atrair para a contestação ao regime português e à guerra colonial.
No Verão de 1962, deslocou-se a Leninegrado, na União Soviética, como representante da UEPF ao Congresso da União Internacional de Estudantes (UIE). Pelo caminho, visitou Praga, na companhia do estudante brasileiro Nelson Vanuzzi, membro da direcção da União Nacional dos Estudantes do Brasil. À capital da Checoslováquia regressaria nos inícios de 1963 para se encontrar com Jiri Pelikan, presidente da UIE, a quem teve oportunidade de explicar o não alinhamento ideológico da UEPF com a organização que este presidia.
De Praga partiu novamente rumo a Leninegrado, para se encontrar com Helena Gulobeva, professora e tradutora de Português, já que era sua intenção apresentar-lhe um plano para a edição de uma Antologia da Poesia Portuguesa Moderna que lhe havia sido encomendada no Congresso da UIE. Daí seguiu para Moscovo onde teve um encontro pouco cordial com Álvaro Cunhal.
De regresso a Paris, intensificou o convívio com Emídio Guerreiro, um mítico militante republicano, em cuja casa decorriam as reuniões do Comité para a Defesa das Liberdades, de que José Augusto Seabra também fez parte. Nessas reuniões, testemunhou as divergências entre militantes comunistas e demais exilados políticos, situação que remontava já aos anos 30, por ocasião da chamada Frente Popular Portuguesa, de que o jornal Unir, seu órgão em Paris, então fez eco.
Um inesperado convite da Rádio Moscovo, para aí trabalhar como revisor literário, fez com que decidisse interromper os seus estudos em Ciências Políticas e aceitasse, “com larga dose de temeridade”, uma nova experiência em terras soviéticas, que iria considerar mais tarde como “dolorosa e dramática”.
Chegou a Moscovo em Abril de 1963. Encontrou-se novamente com Álvaro Cunhal, que o põs de aviso contra um comunista “complicado e difícil”, que também trabalhava na Rádio Moscovo. Tratava-se de Francisco Ferreira ou Chico da CUF, com quem, afinal, José Augusto Seabra acabou por fazer amizade. Por Álvaro Cunhal ficou igualmente a saber que teria de entregar o passaporte às autoridades, lhe estaria vedada a circulação para além de um rádio de 40 km em redor de Moscovo (salvo autorização policial), e, ainda, que teria de usar um pseudónimo. Contrariado, José Augusto Seabra, “com a sensação kafkaiana de ter perdido a identidade”, passou a partir de então a chamar-se José Cabral.
Um ano depois, decidiu deixar Moscovo; porém, só ao fim de alguns meses e após ter conseguido um visto para a Argélia, onde se instalara a Frente Popular de Libertação Nacional (FPLN), é que lhe devolveram o passaporte. Em Argel aderiu ao Movimento de Acção Revolucionária (MAR), a que pertenciam também Jorge Sampaio, João Cravinho e Lopes Cardoso.
Do seu percurso até 25 de Abril de 1974 há ainda algumas zonas de sombra a que só a publicação de novos volumes de memórias (suas e de outros exilados) poderá vir a clarear. Sabe-se, contudo, que em Argel leccionou na Universidade local e que fez parte da Frente Portuguesa de Libertação Nacional (FPLN), organização dirigida pelo general Humberto Delgado.
De regresso a Paris, com Emídio Guerreiro, Hélder Veiga Pires, Fernando Echevarría e outros, fundou a Liga de Unidade e de Acção Revolucionária (LUAR), chegando mesmo a integrar o seu Conselho Superior.
Em 1971, na Université de Paris III – Sorbonne Nouvelle, doutorou-se com uma tese sobre Fernando Pessoa, dirigida por Roland Barthes. Posteriormente, ainda na capital francesa, exerceria funções docentes na Université de Paris X e na École Normal Supérieur até ao seu regresso a Portugal, após o 25 de Abril.
Professor Catedrático da Faculdade de Letras do Porto, aí leccionou literatura durante alguns anos, fundando também o Centro de Estudos Pessoanos e o Centro de Estudos Semióticos e Literários. A sua actividade docente estender-se-ia posteriormente a outras universidades nacionais e estrangeiras (nomeadamente a de Santiago de Compostela) onde ministrou cursos e seminários, orientando mestrados e doutoramentos.
Em termos políticos, aderiu ao Partido Popular Democrático (PPD), do qual sairia em ruptura no Congresso de Aveiro, em Dezembro de 1975. Deputado à Assembleia Constituinte e à Assembleia da República, foi ministro da Educação do IX Governo Constitucional, de Junho de 1983 a Fevereiro de 1985. Pediria a demissão do cargo a 11 deste mês, alegando “razões de coerência ética e política”. Embaixador de Portugal na UNESCO de 1986 a 1993, integrou também o seu Conselho Executivo. Exerceu igualmente funções diplomáticas na Índia, Roménia e Argentina.
Detentor de vários prémios e condecorações, fez parte de diversos organismos internacionais com intervenção nas áreas da literatura, cultura e defesa dos direitos humanos. De 1980 a 1999 dirigiu, no Porto, a revista Nova Renascença.
Homem de vários exílios mas de uma só Pátria, portuense por adopção e opção, José Augusto Seabra foi um grande português. Intelectual comprometido com todas as causas que considerava justas, fossem elas grandes ou pequenas, fez da vida um combate permanente. A sua constante intervenção cívica, baseada nos princípios da austera ética republicana, em prol de uma Nova Renascença portuguesa por que sempre lutou, convoca-nos de imediato para os exemplos de outros portuenses ilustres, tais como Sampaio Bruno, que homenageou em 2003, ao fundar no Porto, com outros democratas, um Centro de Estudos Republicanos com o nome deste filósofo, que tanto admirava e a quem dedicou alguns estudos.
Poeta dos mais originais e mais sensíveis das últimas décadas da literatura portuguesa, as suas principais referências nacionais eram Camões, Camilo Pessanha, António Nobre, Teixeira de Pascoaes, Fernando Pessoa, Mário de Sá Carneiro e Jorge de Sena. Entre todos, talvez tenha sido António Nobre (também poeta do exílio) aquele que mais amou. Não admira, pois, que, por mais de uma vez, o tenha homenageado. A última foi em Paris, nos inícios de Junho de 2003. Com um restrito número de amigos, por antigas ruas e vetustas casas que guardam as lembranças e as saudades do infeliz poeta do Só, reconstituiu o percurso poético e académico de António Nobre na capital francesa.
Seria justamente nos arredores da capital francesa (concretamente em Villejuif) que José Augusto Seabra viria inesperadamente a falecer no dia 27 de Maio de 2004. Tinha 67 anos de idade. Deixou um enorme vazio (sobretudo na sua mui amada cidade do Porto) que até hoje ainda não foi devidamente preenchido. Em Portugal, na Galiza (onde tinha inúmeros amigos e admiradores), em França e noutros países, hão-de guardar-se, enquanto viverem os que tiveram o privilégio de o conhecer e com ele conviver, as lembranças e as saudades do embaixador José Augusto Seabra, um verdadeiro apóstolo da República, da Cultura e da Liberdade.
António José Queiroz
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