NOTA DA PALAVRA COMUM: agradecemos ao músico brasileiro, residente na Galiza, Paulo Silva, esta reflexão sobre a sua primeira obra musical em solitário, Mãe, que nos pareceu bem interessante!
No fim do artigo, continuando com uma linha de trabalho da Palavra Comum, publicamos um poema-diálogo com a música de Paulo, feito por Ramiro Torres.
***
Minha carreira musical este ano completa 20 anos. Desde 1997 tenho tocado e sigo tocando em maravilhosos palcos e lugares de grande parte o mundo acompanhando a grandes músicos e artistas que admiro profundamente de diversos estilos musicais, desde o jazz, bossa nova, rock, blues, funk, cantautores, world music, músicas tradicionais, música experimental… Realmente para mim não há barreiras, desde que a qualidade da música seja boa e a qualidade humana dos músicos seja igual de boa… Aí estaremos, compartindo a magia dos sons e fazendo o público sonhar, entrando com nós nessa hipnose de Morfeu que nos emociona e nos leva a outra dimensão e parece dar mais sentido a nossas vidas neste mundo lindo e maravilhoso, mas por vezes feito de loucuras, incertezas e medos.
Tive a oportunidade de estudar música de maneira acadêmica, mas paralelamente sempre toquei e aprendi nos palcos, tanto quanto no estudo formal.
Em Salvador da Bahia, onde eu me criei, estudei percussão clássica na Universidade Federal da Bahia, e tive também a oportunidade de aprender e desenvolver muitos estilos de música que hoje em dia fazem parte da minha formação.
Por outro lado, há seis anos que embarquei nesse mundo maravilhoso que é o Jazz. Tive a grande sorte de que me acompanhassem nessa jornada dois grandes amigos e músicos que admiro muito: Valentín Caamaño e Alberte Rodríguez, ambos de grande experiência musical na cena galega.
Nossos laços amistosos e musicais jazzísticos começaram quando fomos os três a classes de combo musical com o grande músico de jazz galego Paco Charlín, no Seminário Permanente de Jazz de Pontevedra. Aí estivemos três maravilhosos anos, aprendendo juntos as técnicas e repertório de jazz clássico e algo do contemporâneo e fomos assimilando tudo que pudemos, assim como inclusive alguns temas que fazem parte deste disco, que é não só o debut do trio como meu primeiro trabalho discográfico solo.
No disco se encontram 8 temas. Quatro temas de composições nossas e quatro temas do repertorio standard norte americano de jazz clássico, entre eles Duke Ellington, Johhny B. Green, Hank Mobley e Dizzy Gillespie.
Obviamente um trabalho bem feito necessita colaborações especiais de uma série talentos reunidos! O disco foi gravado com muito carinho e bonita amizade que temos os três e quis contar com o Estudio Bungalow de um grande músico que admiro que é o Martin Esturao (Mad Martin Trio), e contando também com os talentos de Chuco JR López (assistente de gravação) e Gilbert Eiche do Global Sound Studio (masterização). E pela parte gráfica temos e Rocío Alén com o lindo trabalho de maquetação do disco e as grandes fotos feitas por Iara Silva.
Fico muito feliz de poder ter contado com todas estas pessoas especiais, num momento muito especial para mim, aquele que eu começo a dar os primeiros passos de uma carreira só, que não me impede para nada de seguir desfrutando de colaborar com grandíssimos e talentosos músicos e artistas, com os que, afortunadamente, tenho o prazer de compartir linda música e experiências pessoais que me fazem melhor ser humano cada vez mais….
***
O jazz, para mim, são muitas coisas… É controle e ao mesmo tempo liberdade… É um equilíbrio entre o controle da técnica e a expressão do sentimento e da liberdade rítmica, melódica e harmônica…
É também uma linguagem aberta que permite a fusão com qualquer outro estilo…
É mais uma vez a Mãe África numa demonstração de amor e fraternidade “casando” o seu Ritmo ainda que por causas não tão amorosas (um dos frutos da escravidão negra), com a Harmonia Européia, testemunhando outra vez a beleza da mistura de raças e culturas!
Algumas das referências de jazz para mim são nomes como: Hermeto Pascual, Tom Jobim, Zimbo Trio, Egberto Gismonti, Louis Armstrong, Miles Davis, John Coltrane, Thelonious Monk, Duke Ellington, Ella Fitzgerald, John Scofield e aquí na Galícia sem dúvida Paco Charlín, Abe Rábade e L.A.R. Legido. Entre muitos outros, claro, a lista é quase infinita…
O Jazz na Galicia está cada vez mais forte e mais aberto a outras fusões com outros estilos como o Rock, a música tradicional e música experimental… A Galícia é uma terra maravilhosa, muito rica em muitos aspectos, e no que tange à música, transborda talento e vontade de criar e movimentar a cultura positivamente, lutando bravamente contra moldes pre-estabelecidos que muitas vezes não dão espaços a coisas tão enriquecedoras que alimentam nossas almas…
Paulo Silva, Março de 2017.
***
POEMA-DIÁLOGO
As horas são líquidas
e branco o incêndio
da música na noite,
enquanto cresce
o oceano imerso na
desnudez do mundo,
alimentando os sons
que descansam sobre
as pálpebras da luz:
gravitam entre nós
as ilhas libertadas e
seus braços incansáveis
a percutir nas vértebras
de todo o sensível,
como aves a sonhar
o céu inextinguível
dentro de suas asas.
Ramiro Torres, Março de 2017.
You might also like
More from Música
“Os puntos do impacto”: poema Álex Mene e Margarida Mariño
“Os puntos do impacto”: poema Álex Mene e Margarida Mariño
Ipseidade, tautegoria, improvisação: Depaisagens de Sei Miguel
No fluir do som, quando desdobrado livre de constrangimentos, emerge a diferença. É por isso que, nas músicas improvisadas, reside …