Depois de uma leitura de Luiz Pacheco (Exercícios de Estilo) do melhor da literatura portuguesa do século XX, a espaços, entre poças (tantas poças), gente esfomeada, pobre gente, pobre miséria de gente. Escrever português, literatura dura, pura, de essência: aberturas revolucionárias, arte & estilo, estratégia ataque-ataque, tiradas marciais, sublimadas carpintarias. Chef literário de primeira, hotelaria de rua, restauração da sarjeta. No silêncio das estantes, beber um copo, esquecer. Alfarrabistas fizeram disso um dinheirão. Fazem. É essa a imortalidade literária? Junte-se as dezenas de escritores voga directa ao esquecimento proporcional à fama do momento, temperem-nos com uns poucos, mas bons poucos de bons, depois aumentem-lhes o lume, inflamem bem, inflamem, que é para nos despacharmos no firmamento dos anos para as décadas das décadas dos séculos, tem de ser rápido quanto mais não seja temos ainda os séculos dentro dos séculos. E esta panela é só um país: Portugal. Portugal Continental e ilhas. Imaginem então um continente inteiro. Modelem-no como a América do Sul. Podem jogar panelas com a França, o Reino Unido, a Alemanha, Itália… Olhem para os Estados Unidos, o México. Deixem de parte África, a Índia, o Japão, a Austrália, a China…
É, são mais que as estrelas as panelas, coitadas, eternidades, está bem, eternidades, eternidades a uma eternidade de ser eternas. E vem Shakespeare, está bem. Fazer figas. Vamos fazer figas. Eterno, será eterno. Temos razões para isso. Afinal de contas já foi por nós – pelo menos pela nossa caravana – uma eternidade de espaços, tempos e lugares que deixam, variadíssimas eternidades atrás, toda essa matilha do tédio que nos cerca, niilistas, desinterestressados… São mais que as mães. Ah, pois, Luíz Pacheco! Bem lhes mostraste aos pontos. Eram tantas as frases, linhas, parágrafos… Tudo em obras, pois então. Mesmo proclamando a grandeza da miséria numa travessa de caracóis, que era o que havia acompanhado a desespero – faz que alimenta. Sei que postumamente e no mais que quentinho (pelo menos agora) é fácil fazer brindes às altas literaturas. Também não faço aqui mais que uma homenagem, lembrete ao momento diferido ao passar este texto a limpo no tão bem quentinho de que te falava. Agradeço ao livro que eu trazia na mochila. Agradeço a este bloco de notas. Agradeço à piscina. Escrevo numa piscina, conseguem ler? Se não virem, olhem, imaginem. Mas não se iludam, tudo reescrita, tudo em diferido. Primeiro fui à pesca, só depois é que fui à caça. A pesca não caça. A caça não pesca. É fácil, não é fácil. Com isto vos garanto que o demais texto a seguir virá todo ele cru. Será por isso mais fresquinho. Preparado no momento. Podem ser ostras. [– O som, a imagem, tudo em ordem, carregar no REC! –] Aqui agora directo na chapa palavras gravadas de uma pena de Luiz Pacheco. Corta! Mergulha na piscina (take 2). [Disse-me uma senhora que este bosque em volta é um Olimpo – assim mesmo: à jogador da bola; lembrei-me logo de uma história que ouvi de fonte fidedigna acerca de um jogador brasileiro que, acabado de assinar contrato com o Belenenses, disse estar muito feliz por representar «o clube da terra onde Jesus nasceu…»] Aqui agora aqui comigo, já deitado na toalha, os pinheiros falam-me. Estão em inadvertido picado, inadvertindo, protegem (dos) animais até eu Homem se ir embora.
“Podia ter morrido. Podia ter ficado olvido. Morrido ou olvido. Da pedra ou da cobra. Da pedrada ou da mordida. Azar do azar.”
Tão certo como a morte – pelo menos de momento – este bravo, simpático, delicado (tão subtil e desmesuradamente complexo, assimétrico, multiforme), sincero (acima de tudo), sério (no bom sentido do termo) espaço de veraneio exprime que eu devo (sem autoridades de caça) ser mais (o) próximo. Vulnerável, talvez, evitando subterfúgios, linhas defensivas, afinar a mira mais para tudo aquilo que desejo (o que significa amar) com a eficácia, rapidez e multi-distribuição de um Patrick Vieira, sabem quem era? Fazer que sim, que não com todas as cores do prisma entre o branco e o imaginário. Ou é noutro Universo? Não sei. De uma coisa eu estarei: no Multiverso. Está lá tudo teorizado. Aqui também já chegou pelo correio. Já o vento funde-se aqui com uma árvore numa rajadita, ali solta uma pinhita. Estamos longe de alguém que mata entre a cidade e o mar. Um dia veio cá e a pedrada quase me acertava na cebaça. Noutro foi uma cobra para dentro da pedra. Podia ter morrido. Podia ter ficado olvido. Morrido ou olvido. Da pedra ou da cobra. Da pedrada ou da mordida. Azar do azar. Uma eternidade no Universo. Talvez até no Multiverso – ou não, enfim, especula-se… Bom, bom mesmo melhor calar-me. Não acordar por aqui uns fantasmas. Diz-se que o Big Bang foi há catorze mil milhões de anos, ainda não houve tempo para pensar nisso, pensaremos depois, está bem? Comecemos, pois, pelas coisas simples, que isto da timidez pode até ser mais cronicamente tramado que ser coxo, incontinente, diabético, asmático… Os sintomas na sua pior estirpe podem compreender toda uma sorte de desentendimentos agudos com efeitos graves na saúde. As suas consequências podem gerar toda a espécie de maldades, mal-entendidos, amores perdidos, amizades a soldo, queimaduras de abraços, combustões, embaraços, comboios até Nunca Mais. Toda uma sorte. Tudo muito uma sorte. E isto é só e apenas um mui curto apanhado. Valha que algumas das bulas são de extrema qualidade. Mas IMPORTANTE, até nisso – diz-me este pinheiro tão simpático – o problema estará, mais cedo ou mais tarde, mais ou menos resolvido – mais para o mais do que para o menos. Claro que um dia a medicina terá a cura para a timidez. A vacina será facultativa, consoante a genética. E para todas as idades, consoante a química. Poderá ser tomada a qualquer altura, consoante a lucidez. No que por enquanto apenas nos socorremos da medicina natural (raio de palavra, será a outra medicina artificial?), igrejas, gurus, pediatria, cardio-fitness. Coisas dos séculos passados. Mas cuidado, presta atenção, ou não reparaste que a maquineta está a gravar: um chorrilho de cantos de pássaros [anoto], Bach tem disto, mas uma criança grita ao longe [anoto], é breve birrinha inconsequente [anoto], porém os pássaros [anoto – já lá estavam, eu sei, querem o quê? Não faço milagres, meu microfone é apenas unidireccional], porém os pássaros [anoto] cantam crescente mais solto [anoto], mas é que é mesmo muito mais alto [anoto]. Notável concerto do e no ainda agora [anoto]. Entram vários em coros [anoto], onde estavam antes [interrogo]. A ver vamos. Vai que agora está vento [anoto], ameno [anoto], ténue rajada assim de carícia [anoto]. É todo um prédio, piscina, livro, caderno, eu, a toalha, o chão empedrado irregular. Silêncio. Agora é só um pássaro [anoto]. Um carro ao fundo entra estragando isto tudo ou o microfone, já agora, por uns breves segundos a ruir em preto todos os tons de cinzento [anoto, que se dane]. Acabo. É tempo de guardar a caixa gravadora (a) escrita. De dar outro mergulho (take 3). De carregar no STOP.
“Manhã Piscina Caixa Gravação” é um conto incluído no livro “Praia Lontano” (Ed. Letras Paralelas).
Pedro Góis Nogueira nasceu em Lisboa em 1974 e vive há um ano na Galiza, em Ourense, onde trabalha como freelancer. Tem dois livros publicados, ambos na editora Letras Paralelas, um de poemas (Estrada dos Prazeres), o outro de contos (Praia Lontano). Trabalhou em viagens, fez jornalismo desportivo, experimentou a rádio e o cinema. Pode ser lido quotidianamente no blogue Desertações.
Foto do autor por Valério Romão.
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