Mazé Torquato Chotil
O processo memorialístico da escrita de Mazé Torquato Chotil lembrou-me a obra literária da escritora e professora francesa Annie Ernaux (1940), laureada com o Nobel de Literatura de 2022. Annie é autobiográfica, com romances que remetem à sociologia. Com coragem, inteligência, sentimento sem sentimentalismo, ela vai penetrando em suas raízes, trazendo estranhamentos coletivos de sua memória pessoal. Vai traçando um vasto panorama, explorando seus cadernos de anotações, planos e reflexões (Raquel Naveira)
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Mazé Torquato Chotil apresenta-nos a obra Mares agitados: na periferia dos anos 70, um romance que aborda as transformações na vida de uma jovem do interior do Brasil (Mato Grosso): o desejo de entrar na universidade, a procura do primeiro emprego, as descobertas sociais e culturais de Osasco, São Paulo. A personagem narra as suas vivências e experiências num Brasil, em meados dos anos 70, sob ditadura militar, censura e repressão.
Uma história de migração de jovens, do MS para o grande centro econômico do Brasil, São Paulo, nos anos 1970, sob ditadura, para trabalhar e estudar.
Trechos do romance Mares agitados: na periferia dos anos 70:
«Como disse, não tinha consciência naquela época de que o país vivia sob ditadura. Até as novelas, consideradas inofensivas, precisavam passar pela censura imposta a todas as áreas da criação! A ditadura tinha afastado tantos líderes sindicais de seus postos, a greve de 1968 na cidade onde eu estava morando tinha feito muitos prisioneiros, torturados, forçando muitos a se expatriar. Muitos estudantes e trabalhadores tinham resistido aos militares, foram para a rua reclamando liberdade.»
«Nas periferias, as comunidades e jornais de bairro trabalham; surgem o Movimento Feminino pela Anistia no Rio Grande do Sul e a Comissão Pastoral da Terra. As Comunidades Eclesiais de Base realizam o I Encontro Nacional. Prisioneiros políticos entram em greve de fome em São Paulo, enquanto cartunistas fazer ilustrações para cartões em benefício das famílias de presos. Surge o Movimento, lançado por uma cooperativa de jornalistas, que, mesmo sofrendo forte censura, viveu até 1981.
1975 foi também o ano em que Luiz Inácio Lula da Silva foi eleito presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo, onde iriam pipocar as greves do ABC mais tarde.
Eu, na minha corrida quotidiana, tinha muito para aprender.»
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Mazé Torquato Chotil é jornalista, pesquisadora e autora. Tem doutorado (Paris VIII) e pós-doutorado (EHESS). Nascida em Glória de Dourados-MS, morou em Osasco-SP e vive em Paris desde 1985.
Tem 13 livros publicados, dos quais cinco estão em francês. Fazem parte de seus livros: Lembranças do sítio / Mon enfance dans le Mato Grosso; Lembranças da vila; Na sombra do ipê; Nascentes vivas para os povos Guarani, Kaiowá e Terena; José Ibrahim: O líder da grande greve que afrontou a ditadura; Trabalhadores Exilados: a saga de brasileiros forçados a partir (1964-1985); Maria d’Apparecida negroluminosa voz; e Na rota de traficantes de obras de arte.
Em Paris, trabalha na divulgação da cultura brasileira, sobretudo a literária. No passado, foi editora do catálogo lusófono da editora digital 00h00 além de ter trabalhado como jornalista para a imprensa brasileira e francesa. Atualmente é membra da associação Os amigos de Maria d’Apparecida e membra da UEELP – União Europeia de escritores de língua Portuguesa. No seu canal youtube e páginas facebook entre outras redes sociais, divulga autores e livros.
Entre Paris, Mato Grosso do Sul e São Paulo (e Osasco) trata temas do Centro-Oeste como sua colonização (Minha aventura na Colonização do Oeste, Lembranças do sítio e Lembranças da vila) e indígenas (Nascentes vivas). Tratou o tema dos trabalhadores em Trabalhadores exilados e José Ibrahim. O Racismo e a música brasileira em Maria d’Apparecida Negroluminosa Voz.
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