Tudo o que aqui está escrito ilustra como pode este corte sonoro que adjuntamos abaixo onde Lua ri a gargalhadas coa escuita dum poema da madrinha. Lua ri-se pouco, como um adulto humano, sempre chega a pouco o que nos rimos. Ri-se quando lhe fam cóxegas, com algumha cançom de letra humorística, com algum detalhe de broma na música instrumental, um dia entrando na piscina, outro dia cumha risa insuportavelmente irónica que me saiu e logo com este poema feito por Marina Oural e que podedes escoitar na sua voz. Tudo o que aqui está escrito também intenta focalizar como a música e a poesia perdeu a funçom sagrada para converter-se num produto comercial: nesta roda de ratos nom há maneira de sair salvo para degustar os momentos felizes que dá a vida arredor da arte no imediato.
O que segue a continuaçom é um escrito de Fevereiro de 2011. Foi parte dumha conferência que pronunciei na Universidade de Barcelona (Filologia), onde falávamos, em esência, da música e da poesia. Recolhim este anaco para complementar este corte sonoro e também me levou a pensar no vídeo de Adrián, com hidrocefalia que canta e expressa maravilhosamente um tema de Rosario Flores ao lado dum guitarrista e de sua irmá:
“____ Apelo a Cunqueiro, ele é o que dizia que as meigas eram as intermediárias entre a comunidade e o indivíduo como também se exprime no livro Ao dianho coa cultura, de Herbert Read, onde o artista-artesám é quem fai ponte com o meio.
Seria entom a poética essa capacidade de criar e visualizar situaçons maravilhosas na intimidade e, portanto, na coletividade e para a coletividade. Quando alguém sente umha emoçom verdadeira sentimos a inclinaçom de reagir da mesma maneira em qualquer lugar, aldeia, território. Umha emoçom verdadeira fica na memória a longo prazo. Armazenada no museu vivo do corpo ou de corpos inconscientes.
Para tudo isso há que valorar, há que tar na intuiçom, no acaso, e reconhecer os nossos valores autênticos desfazendo-nos dos excessos fictícios. Pobre intuiçom desprezada habitualmente polo snobismo!
Interessa-me o ponto de vista do artesám, é dizer, a arte como saúde, como dizia numha entrevista o grande poeta galego Carlos Oroza. Arte-sam.
Por isso canto, curo-me, ponho umhas palavras detrás doutras para comunicar-me e intentar ser entendida, nom sempre dou feito. Porque colocar um substantivo ou um demostrativo ou um verbo dumha ou doutra maneira? As palavras: nascem, crescem, reproduzem-se e morrem NO CORPO. O intercâmbio verbal implica umha submissom à autoridade da linguagem se nom se escuita o corpo. Entender o que se diz no nível adequado. A importância do como se diz mais do que se diz… isso acontece na vida, na poesia, na música… repito… tudo é o mesmo. E qual é o real significado? Sim, sinto-me dizendo estupidezes e obviedades. Mas também nelas, na evidência, existe certo mistério do que aprender. O mistério é a geologia de cada palavra no meu idioma de criaçom.
A música-poesia tem um poder subestimado, chega aos lugares recônditos, arranca-nos de preocupaçons mundanas, quase que dependemos dela para aprovisionar-nos de energia emocional. Paga-se por aprovisionar-nos de energia emocional como se fosse eólica ou eléctrica. Mas nom é de tudo correto vê-lo assim?
A poética musical é umha criaçom sobre umha percepçom original que temos cada um. Expomos como percebemos o mundo. Assim de simples. É muito mais fácil falar de quanto se sabe, é dizer, do intelecto e de conhecimentos, das tonas, que do profundo, pois no profundo nom há limites e é perigoso.
Numha cultura governada polo verbal-literal e pola imagem, numa cultura onde o património monumento é material, a poética musical é desconcertante, pois músico segue a ser (nalgum caso) o xamám da aldeia que tem a capacidade de mudar a existência e é capaz de chegar à coesom social. Exemplos há milhares, um macroconcerto, uns gaiteiros fazendo alvoradas de manhã, um acordeonista tocando num restaurante, um poeta presenteando pequenos versos num autobus… cambia-che o dia, é a arte, a vida fresca do dia. A poética é umha forma dinâmica de ser, de estar.
No Projecto Sabores e Saberes de Vila-Joám (em Vila Garcia) o secretário da denominaçom de origem de vinhos galegos dizia que para mostrar os nossos vinhos (é dizer, a nossa música, etc.) nas feiras internacionais havia que explicar o nosso território atlântico, galego, comarcal, a essência da leira… quer dizer, a distribuiçom do território. O microfundismo. O nosso microfundismo antecesor do agora chamado decrescimento, que em muitas partes do país nunca foi crescimento nem desenvolvimento, mas integraçom. Isto em contraposiçom cumha bodega de Bourdeux onde guardam os vinhos em barricas com música de Satie como recurso de marketing.
Tam importante como vender o produto som todos os satélites arredor del, mais importante que o desenvolvimento do produto é a sua integraçom. Nada novo podo dizer na conversaçom.
É por isso que coser, guisar, cantar, pintar, esculpir, é viver a vida, alta qualidade de vida porque dá saúde individual e colectiva sem ter em conta a quantidade. Cantar é extrair de um mesmo-mesma os recursos energéticos e mentais da melodia, do ritmo, da harmonia, da palavra, do sentir, e exteriorizá-los da melhor forma possível: criar um mundo possível, um ligeiro instante num vazio.”
Podedes atopar páginas interesantíssimas sobre o efeito terapêutico da música e muitas outras mais sobre o efeito sanador da poesia. Nom só proporcionam prazer sensorial, estético ou câmbio social. Som umha potente arma capaz de aumentar a actividade cerebral de quem desfrutam delas. Uma arma carregada de futuro, dizia o poeta Gabriel Celaya.
O Basque Center on Cognition Brain and Language abriu a porta para contrastar aplicaçons terapêuticas em doentes com deficiência intelectual, segundo o estudo de Nicola Molinaro em Donóstia. No caso dos dementes fronto-temporais, umha discapacidade que impede aceder aos sentidos (som pessoas que vem umha porta e nom sabem o que fazer com ela), o investigador Molinaro vê factível treinar com figuras retóricas para aumentar o trabalho cerebral e conexons entre área frontal esquerda e hipotálamo, partes implicadas no processo do significado.
Adam Zeman, neurólogo cognitivo da Universidade da Escola de Medicina de Exeter, di que, às vezes, é imposível reconciliar ciência com arte, mas que a nova tecnologia de images cerebrais permite ver umhas evidências sobre como o cérebro resposta à experiência artística, para saber o sentido anatómico da arte. No Journal of Consciousness Studies revelam a actividade das áreas do cérebro que som activadas pola música e que correspondem também à poesia.
Parece-me que nesta sociedade ou existe um fundamento científico ou nom se considera séria ou firme umha afirmaçom ou umha evidência natural. Mesmo ainda que seja umha repetiçom histórica nom tem o suficiente carisma. Desde a Grécia antiga existia a valoraçom excelsa da música e da poesia como parte fundamental dum home ou “mulher” livre. E a poesia tinha um segundo sentido como “logos phármakon”. Aristóteles, na sua Poética, resgata a poesia para regular as paixons da alma como catarse e na sua Política integra dança, poesia e música na educaçom cívica.
Seja como for, no caso da nossa Lua Awel, alimenta-se tanto de música cantada e instrumental, normalmente de alta qualidade, e alimenta-se também de poesia. A sua leucomalacia multiquística periventricular e a sua microcefalia som severas a nível de informe clínico convencional. O seu cérebro primitivo intacto tem especial interesse por determinadas expressons artísticas por agora sonoras. A primeira surpresa com a que nos atopamos foi o seu interesse pola voz de Concha de Luneda (cantadora popular e meiga) gravada no disco de Ariel Ninas, do projecto Habelas Hainas: mesmo parecia que Lua atopara a sua guru. 😉 Depois escoitou a sua madrinha recitar e passou muitos dias a rir como presentamos no áudio adjunto. Também esboçou a sua primeira risa irónica diante dum poema que gravei em Noente Paradise, um poema irónico “ensinei-te o que tinha aprendido aderezado com malícia, cada palavra minha converteste-la em tua…” Figemos provas com outras vozes de contacontos, poetas galegos que fomos mirando pola net e interessou-se também por este vídeo de Yolanda Castaño que escoita com máxima atençom, como se entendesse tudo.
Sinto que Lua às vezes recolhe o mais fundo, é dizer: desde onde foi feita a arte (desde que necessidade, fustraçom, emoçom…), para que foi feita e porquê. Esta é a minha percepçom, quiça tou trabucada. Quiçá entende as dinámicas da voz, o alento, os sentimentos, os giros, a tímbrica… quiçá somos nós quem nom deveríamos entender tanto, quiçá nos nom entendemos nada, quiçá entende os recursos energéticos e mentais da melodia, do ritmo, da harmonia, da palavra: um ligeiro instante num vazio. Quiçá recolhe a alma do produto comercial e nos informa do mais valioso. Ela, como tantos-as nenos-as com parálise cerebral, disfuncionalidade, discapacidade… ou como queirades chamar som PURO SENTIR. Quiçá num futuro poderemos nomeá-los superdotados emocionais, para enfatizar de que andam sobrados, e nom como o seu handicap.
Sofista Gorgias da obra “Encomio de Helena”_ a palavra é uma grande soberana cum corpo pequeninho e totalmente invisível que realiza acçons divinas. Pode rematar o medo, eliminar a dor, provocar gozo, aumentar a compaixom. Como acontece vou exprimi-lo para a opiniom dos ouvintes. Considero, e assim o digo, que qualquer classe de poesía é um discurso com medida; a quem a ouve penetra-lhe um calafrio cheio de terror, umha compaixom que arrinca bágoas, umha cobíça derretida em nostalgia; por efeito da palavra a alma padece um sofrimento particular em relaçom à sorte e ao fracaso de feitos e pessoas alheias. Há umha analogia entre potência de discurso e regulaçom da alma, e entre a regulaçom das medicinas e a natureza dos corpos. Igual que as medicinas eliminam dos corpos certos humores, e umhas podem fazer rematar a dor e outras a vida, assim uns discursos podem provocar pesar, felicidade, dar valentia aos ouvintes, e outros, com certa persuasom, drogar e seduzir a alma_
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