Cumpriram-se no dia 4 de dezembro de 2020, cem anos do nascimento do emérito flaviense Nadir Afonso. A personagem multifacetada do artista presta-se a abordagens diversas porque era multidimensional na arte e no pensamento.
Poderemos olhar Nadir como arquiteto que cooperou com Le Corbusier e Niemeyer em obras de dimensão internacional, que marcaram as linhas da arquitetura de uma época, como filósofo da arte, dimensão mais complexa e, porventura menos conhecida por ser campo de exploração para intelectuais e pensadores e ainda como pintor que espalhou a sua obra pelos cantos do mundo fazendo parte do acervo de grandes museus e de colecionadores.
Não podemos deixar de destacar, por dizer-nos respeito em termos afetivos, a obra do pintor que faz parte do acervo do MACNA e do Centro de Arte Nadir Afonso de Boticas que tem constituído um estímulo à visita de milhares de turistas e amantes da arte sem deixar de aludir ao património privado da Fundação e da família.
No plano filosófico e transcendental, “Nadir negava a existência do tempo tal como o concebemos. Fundamentava o pensamento referindo que a natureza não faz previsões: o homem é que as faz. É por desconhecer esta verdade natural que caímos no erro da existência do tempo. Há contudo uma forte crença nos homens que julgam pressentir o tempo, quando o que eles pressentem é a distância a percorrer pelo móvel ou objeto: gera-se a ilusão de que numa distância predeterminada a uma grande velocidade corresponde um menor tempo decorrido e vice-versa. Insistimos na ideia de que jamais na natureza as distâncias a percorrer são predeterminadas. É nossa obrigação denunciar tal absurdo científico. Não há tempo: há leis, há espaço, há movimento,” citamos.
Esta abordagem nadiriana não me parece metafórica mas antes paradigma inovador do pensamento contemporâneo relativamente às noções de tempo, distância, velocidade.
Sem armas para o debate, prefiro uma abordagem da harmonia geométrica e cromática da arte de Nadir. Uma boa parte dos quadros, dizem metonimicamente tudo na sua aparente ausência de significado e de leitura de cenários naturalistas e de representação.
Quando observo os quadros de Nadir questiono-me sobre o destino do mundo se não houvesse arte, a mais profunda manifestação do divino. O divino em Nadir e nos artistas em geral assume uma expressão maior. Acreditar na arte é também uma manifestação de fé.
Sempre me orgulhou a relação de Nadir com a terra mãe: o cidadão do mundo nunca deixou de ser um de nós, de falar com a mesma sonoridade e expressão e de olhar com o mesmo amor os recantos de Chaves.
Se é verdade que ninguém é profeta na sua terra, sinto que Chaves tem sido uma exceção ao ter construído, com sacrifício da edilidade, o magnifico edifício do MACNA com projeto de Siza Vieira que tem merecido a visita de numerosos amantes e especialistas em arte.
O MACNA é uma espécie de Olimpo que alcandorou Nadir a Júpiter da tribo aquaflaviense, sempre carecido da presença de outros deuses que debruem este céu mitológico da arte.
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Ernesto Salgado Areias é advogado e escritor
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