Como se trama o tédio?
Dentro das águas do Danúbio se esconde uma verdade, ensaio todas as madrugadas nas palavras de Schopenhauer; uma gota de génio no pêlo, um amuleto vendido com sal.
esfolo o horizonte, a cama onde vertem notas soltas,
a literatura tem seus deuses, mudo é o poema envergonhado, as linhas
de trepadeiras calcando o rosto da água no espelho.
Salto a vara da vaidade, enterro o egoísmo nos compartimentos do coração, regresso a pedra, uma linguagem chega-me sem artifícios pela porta do tempo; quantos títulos afogaram-se nas águas do Danúbio, os dedos das mãos desaparecem diante das ondas.
Fujo do inverno, a fumaça dorme na boca,
Onde reside o perímetro da loucura, o bálsamo que orna um verso sublime; sigo o rasto perdido nas margens do Danúbio.
Nas sombras do Scala, um monstro adormece nas cadeiras, apanho o elevador, fio de aço amordaçando a gravidade. O mar? Morre lentamente a cidade das acácias.
Salto a avenida,
e
Dentro do prédio Fonte Azul peneiro minha esperança, a cratera da memória absorve estórias no pão-de-leite, detritos da visão. No Continental, um pedaço da noite tranquiliza as mãos do Índico, as palmeiras nuas pela força do sol, anunciam a falta de lanhos no tronco.
Guardo resquícios de tédio na língua, apalpo o cansaço com a voz, pedaços da loucura nas mãos.
No bairro indígena, a noite se demora, a cor do prazer apaga a verdade do Petromax, uma lagoa segreda sua fúria nos tentáculos da madrugada. Não há tédio que vibre apenas com as sobras da vontade,
retiro da manga a fórmula encardida, imagino Borges, uma enciclopédia rastejando o verbo, um salão assombrado nas escadarias da Suíça; sou um Viking?
Não, prefiro verter na língua o óleo das badjias, nas cores das acácias envergar uma azagaia rubra, um peixe frito entoa o fôlego nas bacias do beco.
Uma lagoa, uma capulana, no Danúbio a fumaça esconde todo o mistério;
foto de capa por Harry gruyart
*
M.P. Bonde nasceu a 12 de Janeiro de 1980 em Maputo. Foi membro do projecto (JOAC) Jovens e Amigos da Cultura entre 2003-2004. Em 2004 é convidado para fazer parte do grupo Arrabenta Xithokozelo onde animam as noites de poesia e música no Modaskavulu do Teatro Avenida. Tem textos publicados na colectânea Arqueologia da Palavra, e em revistas electrónicas. Em 2017 lançou a sua primeira obra literária com o título Ensaios Poéticos pela Cavalo do Mar. No mesmo ano é vencedor do Primeiro Concurso de Poesia organizado pela Fundação Fernando Leite Couto com o livro Descrição das Sombras.
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