8
Algumas criaturas já só estão estendidas
e de olhos incindidos na sufumigação dos céus
outras cerceiem os espasmos de Deus
que geram recreações de bem-querer
apenas a estria da cegueira
nas púberes percepções relativas à arquitectura
que nunca se repete
o riso do decesso é sempre em função do sol
e dos lícitos “versos verdes” da aurora
9
No concipio das constelações
sob o espanto que fica depois de passar a flor
faça-se com que os crentes
alimentem os seus crentes na escuridão
negar a extrema beleza da impiedade
é da ordem da abominação e da degeneração
do amor (este conceito começa aqui
e aí em oração na boca do poço da Babilónia)
como fonte de tudo o que Deus não
assumiu como próprio: genderqueer
amor e Deus Verbo e sílaba
a morte enquanto poema
impelido pela expurga do exterior
10
Eu espiarei como aporia
esta é uma dobra sui generis
um poema tíbio um
um sóbrio soco para as delicadezas do mundo
um amor urdido um
Deus para a polimorfia da sílaba
acredito que floriremos numa blasfémia
de crueldade sem precedentes
e só assim seremos felizes: na invenção
impessoal do revérbero
l’art et la polymère
que irá iluminar a apropriação do mundo
(shit shit shit o amor a fazer de Deus)
11
O instante das linhagens e das porções
a estesiologia do jogo
por fim L’Amour et l’Occident
é aquele ou aquela
que jamais logra deixar de mover-se na fraude
um amor na cércea de Deus
que se mestiça sob o oestrus
a copiosa época do cio
e por conseguinte um modo de pegar
a sacrílega língua
12
E desobrigo-me do sobejo
e da impura egolatria dos poemas
no continuo olfacto dos miosótis
e é de uma premente revelação que
o verso no fundo da solidão das procelas
narceja pelos campos
o tempo de novos baldios
o amor cambiando Deus
na devoluta excisão por outra devoluta
que não exortará a alegria: a dobrez
é única na intimação
dessa condição de utopia venosa
uma por uma a desdobra
13
O primeiro requisito para um poema
é que este deve iludir
o seu sensível e estimável autor
a libidinal fidelidade da visão
(“Deus aborrece as tíbias
Deus vomita as tíbias”) Adília
canta: a arte da farsa e do jogo sob os céus.
João Rasteiro
(In, acrónimo, 2014 – inédito)
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