O eco exuberante e delicado nos trai acentos poéticos duma autora que nasceu em Pemba, capital da província de Cabo Delgado, no norte profundo da terra dos macondes, Moçambique. Inez Andrade Paes é a autora do poemário Da eterna vontade (Editora Labirinto,2015). Ainda que leva vivendo em Portugal desde 1975, filha de pais portugueses, as terras nativas estão presentes duma maneira fascinante que nos descobre a amplitude e as convergências de tanta matéria que serve para entrar num universo tão diferente e sensível ao que vivemos em ocidente. Todas essas emergências poéticas perfilam este livro tão denso e de abreviados poemas.
A fértil poesia moçambicana deu no século passado grandes nomes que não podemos deixar de lado, para reconhecer Moçambique nos seus poetas, como Rui de Nororonha (o precursor), José Craveirinha, Glória de Sant’Anna, Noémia de Sousa, Rui Knopfli, Sebastião Alba, afinal um longo inventário de criadores que nutriram este país como um dos mais referenciados no universo poético contemporâneo.
Na poesia de Inez Andrade Paes há um equilíbrio das coisas que fluem inteiras e madurecidas por um pensamento contido e harmônico que nos amplia sentimentos e imagens sobre realidades concretas, das que nos transmite a poeta. Parece que a poesia deste livro não pede nada, entrega todo o seu verbo e se revela num tudo que esclarece a dimensão criadora desta poeta.
A poesia mostra, neste poemário, a sua veste perfeita de palavras para reduzir os limites do inconcebível. E, também, mostrar-nos a infinidade duma ordem de coisas misteriosas que nos liberam de estar comprimidos e enclaustrados em nós mesmos. A poesia sempre nos força a ser relativos e equitativos face a confusões e desordens das coisas que não foram visualizadas no contexto do verbo poético.
Neste livro de Inez Andrade Paes há poemas implacáveis que ordenam em nós unha combinação de imagens, de memórias, de ideias, de cumplicidades que são elementos condutores que tomam residência na palavra, fruto duma imperturbável elucubração e duma metafísica que nos descobre outro grau de amor, de ternura e de vida paciente na exaltação da paixão que nos libera e por vezes nos lacera. Como a poeta diz: “ficam os restos para os que sem paixão se movem tristes / liberto mais / ainda mais / porque de mim se o amor me move / a paixão ainda é mistério”.
Nesta entrega discursiva o poema toma um ritmo ascendente no que nos insinua a poeta, sobre o que apreciamos do mistério. Porque o mistério é algo inerente á pertença e permanência do amor em seu acervo cara unha glória que não esquiva os sofrimentos. Vem a ser algo importante na nossa vida que perfeitamente se proclama em este livro poético, que nos vem da mão duma autora, de buscas e rebuscas, que não profana o sentido mais puro e espiritual da exaltação humana, invertida no cânon poético. O amor ordenado na paixão mais viva e nunca errante; na esperança e no mistério de ser livre, como marcam os diversos relatos que se proclamam nos versos de Andrade Paes.
Estamos ante um livro de poemas no que se diversifica a sua utilidade, não só como um ato de leitura para recrearmos na forma e na linguagem que se oferece nestes versos, de árdua elaboração que faz com que a palavra não fique em silêncio para que todos participem dela e possam avaliar os registros pormenorizados “Da eterna vontade”.
A formulação que nos apresenta Inez Andrade Paes mostra não estar na cimeira das pretensões de se fazer poeta a golpe de martelo. Ela já é poeta, porque sabe muito bem das exigências que demanda o poema e seu longo caminho. Mas a nossa poeta não está a médio caminho do que exige a arte poética. Ela transcendeu pelo longo percorrido e sem tropeçar nas pedras do caminho, tão sugeridas nas alertas de Drummond de Andrade, a nossa autora já não mostra medos nem dissidências para chegar ao fim do caminho estreito da poesia. Como dizia Paul Eluard: “O poeta não deve considerar que as vias da poesia são estreitas e que as suas formas são imutáveis. Todo poeta valente tem o dever de abrir um caminho tão longo como seja possível para a exaltação humana”.
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Hoje temos a honra de dar a bem-vinda a Xosé Lois García como novo colaborador da Palavra comum, poeta galego e crítico entregado como nenhum à poesia lusófona.
PC
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