O POEMA apresentou-se a um concurso de poesia
e leu-se a ele mesmo diante dos júris.
Os júris surpreendidos com o inefável
quiseram saber quem era o autor daquelas palavras
– podiam vencer o concurso!
Mas não havia autor, muito menos poeta
era ele mesmo, o poema que se lia a si mesmo:
livre insurgente frágil
Os júris reiteraram o seu pasmo:
um poema tem de ter autor
poeta
livro
isbn
uma assinatura?
Não havia autor
nem sequer uma miserável assinatura nada
Nada? Nada
Só ele em representação de si mesmo
o poema
E para o provar, despiu-se inteiro perante os júris
desvelando todo seu corpo todo o seu erotismo toda a sua interioridade.
ah! é um acto indigno de um poema
um poema que até poderia vencer o concurso
podia
mas não pode?
E escandalizados com aquela exibição
expulsaram o poema do concurso.
No ano seguinte o concurso de poemas decidiu acrescentar uma alínea ao regulamento
onde avisava os poetas:
não nos responsabilizamos
pelos actos diletantes dos vossos poemas
O poema, esse, não se apresentou a mais concursos
armou o seu sorriso, aquele seu corpo entontecido
e fez-se à vida para nunca mais deixar de ser poema.
O poema que a si mesmo se representava.
fotografia de capa por @LukaszWierzbowsk
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