Khalilulah Khalili (1907-1987) foi um dos grandes poetas afegãos do século vinte, pertencente à corrente sufi de pensamento e ação. Participou em diversos cargos políticos na época do rei Zaher Shah e sofreu o exílio quando a invasão soviética do Afeganistão. Foi embaixador na Arábia Saudita, no Iraque e nos EE.UU. Apresento aqui um poema (O pranto da Estátua) escrito em 1978, quando partiu da Alemanha para os EE.UU. O poema está escrito originariamente em persa mas aparece numa tradução ao inglês no livro de memórias intitulado Memoirs of Khalillulah Khalili (an afghan philosopher poet)- a conversation with his daughter (publicado por Afzal Nasiari e Marie Khalili). A tradução foi feita por Afzal Nasiari. É o próprio tradutor que nos adverte sobre a perda de significação, beleza e ritmo que implica dita tradução do persa. Penso, porém, que O Pranto da Estátua nunca foi tão atual como hoje. Sem dúvida é premonitório. Incluo a versão inglesa e a galego-portuguesa. Peço desculpas pelas limitações do meu inglês mas tinha vontade de o declamar também nessa língua. Compartilho assim parte de um trabalho pessoal de aprendizagem da língua e espero que seja suportável. Quanto à tradução galega é bastante literal. Ambas declamações apoiam-se na música de Philip Glass, da sua composição Opening.
***
O Pranto da Estátua
É meia-noite. Escuridão e indignação encheram o ar.
Eu estou rolando de um lado para o outro, queimando no fogo
dos trágicos acontecimentos do meu país.
A minha memória está acordada, mas a minha fala é silenciosa.
Os meus olhos estão fechados, mas o meu coração observa.
Lentamente, cai a escuridão suprema sobre mim.
As minhas pálpebras ficam pesadas de sono.
O sono é um fenômeno estranho.
Ainda não foi explicado pela ciência.
O nosso corpo terrestre permanece na terra
e a nossa alma vagueia em torno das estrelas.
Estamos no presente
mas os nossos pensamentos viajam longe no passado
e vem o futuro invisível.
O sono deu-me pensamentos
Asas e penas como a uma pomba
Cheguei a uma terra onde as criações
da sua construção palaciana beijaram os céus
O povo desta terra tinha afundado a bandeira
da sabedoria sobre a lua, a terra onde tudo
era a manifestação de poder e tecnologia.
Algo mais atraiu a minha atenção
era uma estátua esculpida em aço – a Estátua da Mãe.
A passagem dos anos cobriu as suas tranças com poeira
os seus olhos estavam imóveis. Ela segurou uma tocha na sua mão.
Uma tocha em nome da liberdade.
A escultura, apesar de toda a proficiência e versatilidade,
não podia dar ao rosto da estátua o semblante de uma mãe,
porque as expressões no rosto da mãe
são criados pelo grande artista – o Criador Mestre – Deus
No livro deste mundo não há nada mais belo
e atraente do que a mãe. O coração da mãe
mantém o amor infinito de Deus e os mistérios de sua solidão.
Nos olhos da mãe está a luz de Deus.
Os seus dedos prendem a pena ao destino
E o seu punho fecha a chave aos tesouros infinitos
Nos seus lábios está a benção da vida ……
Uma voz vem de longe.
Contempla! De quem é esta voz no meio da noite,
penetrando profundamente no meu coração?
Estou perplexo! Oh Deus! Como se a estátua de aço tivesse ganhado vida.
As suas palavras são ardentes como fogo; e brilhantes como a luz
Estava reclamando. Queixando-se das ações do homem
desta idade:
“É a era do poder; É a era da insanidade.
as pessoas que conquistaram a lua
não sabem que foram capturados nas suas próprias cadeias “
“Qual é a sua utilidade? A sua tecnologia tocou os céus
Mas debaixo dos seus pés fluem correntes de lágrimas e sangue ”
“Pessoas livres e amantes de Deus instalaram-me nesta vasta terra
e tenho dado a tocha da liberdade na minha mão “
“Não apenas a liberdade dos Estados Unidos, mas a liberdade de todas as nações do mundo
Liberdade de todo ser humano, todo ser humano que alimenta a esperança “
“Agora eu derramo lágrimas sobre a morte da liberdade”
“Onde estão aqueles homens e mulheres que iluminariam esta tocha de liberdade?
Ou, tire-o de mim e esqueça-o como símbolo da liberdade
de todas as nações cujo sangue foi derramado
e cuja liberdade foi usurpada por forças ímpias? “
Sim! A liberdade é um dom de Deus e um direito da humanidade.
*
***
The Cry of the Statue
It is midnight. Darkness and indignation have filled the air.
I am rolling from side to side, burning in the fire
of the tragic events of my country.
My memory is awake but my speech is silent.
My eyes are closed but my heart watches.
Slowly the darkness rules supreme over me.
My eyelids become heavy with sleep.
Sleep is a strange phenomenon.
it has yet to be explained by science.
our terrestrial body remains on earth
and our soul wanders around the stars.
We are in the present
but our thoughts travel far in the past
and see the unseen future.
Sleep gave me thoughts
wings and feathers like a pigeon
I reached a land where the creations
of its palatial building kissed the skies
The people of this land had sunk the flag
of wisdom on the moon, the land where everything
was the manifestation of power and technology.
Something which attracted my attention most
was a statue sculpted out of steel – the Statue of the Mother.
The passage of years had covered her tresses with dust
Her eyes were still. She held a torch in her hand.
A torch in the name of freedom.
The sculpture, in spite of all proficiency and versatility,
could not give the face of the statue the mien of a mother,
because the expressions on the face of the mother
are created by the Great Artist – the Master Creator – The God
In the book of this world there is nothing more beautiful
and attractive than mother. The heart of the mother
hold infinite love of god and mysteries of his solitude.
In the eyes of mother is the light of God.
Her fingers hold the pen to destiny
and her fist holds the key to the endless treasures
On her lips is the bliss of life……
A voice is coming from a distance.
Behold! Whose voice is this in the middle of the night,
piercing deep into my heart?
I am perplexed! Oh God! As if the steel statue has come to life.
Its words are ardent as fire; and bright as light
It was complaining. Complaining of the deeds of the man
of this age:
“It is the age of power; it is the age of insanity.
The people who have conquered the moon
do not know they are caught in chains themselves”
“What is its usefulness? Its technology has touched the skies
but under its feet flow streams of tears and blood”
“Free and God-loving people have installed me on this vast land
and have given the torch of freedom in my hand”
“Not just freedom of America, but freedom of all nations of the world
Freedom of every human being, every human being who nurtures hope”
“Now I shed tears on the death of freedom”
“Where are those men and women who would light this torch of freedom?
Or, take it away from me and forget it as symbol of freedom
of all nations whose blood has been spilt
and whose freedom usurped by ungodly mights”
Yes! freedom is a gift of God, and right of humanity.
*
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