textos quando iniciados não querem acabar. sugerem das mãos a taciturna origem das coisas.
já escrevo com as mãos enrugadas o texto deformado. ou sou eu que estou em reflexo? as mãos fogem devagar mas sinto-me depressa na massa cinza da intuição. as mãos ensinam os olhos, as fórmulas ambulatórias dos espaços livres e centrados.
quero os dedos inferiores lançar a veia verde da alucinação. a fuga foge afoga os braços visto pela luz estrangeira. a dobra atira do fogo endiabrado as canções e do género mais agudo do mundo.
sou eu e as mãos assustadoras. avanço como quem calça sem olhar e com a dor no chão. fora do corpo as mãos criam emoção e dança. criam lados e amparos. perímetros. carne. transcendências transitórias: espetáculo dos ossos no vão das espátulas. ouve-se a ligeireza das atenções.
as mãos não têm consciência do pecado; entram como se fossem esqueletos vivos. deambulam no coração do animal enfermo. brincam com luzes escondidas passam pelo corredor e voltam ao sono antigo. – as mãos têm o dom de assaltar os olhos. alguém disse sem temer as consequências da respiração. – o texto é que nos escreve. inscreve a película da árvore do rio do oculto parido na vértebra.
– estávamos a construir uma experiência; livros são experimentos feitos pelas mãos. olhados a fundo parecem terem sido tecidos por outro objecto do corpo: sopro distante da argila. alguma esfera que seduz a tensão milenar. confunde.
mãos fazem e desaparecem.
as mãos não têm consciência do pecado põem-se a caminho das almas embrionárias. pedra estranha que cresceu pelo lado de dentro, esperas cegas acrescentando o tempo. forças magnéticas criadas no esforço da imobilidade. elas voam, as mãos fogem do desastre que é o mundo. erro: o mundo na lupa não é mundo. quis dizer outra coisa parecida da mesma proporção. mãos não sabem estar quietas diante do chamamento da nuvem, metem o inesgotável barulho perguntas incessantes – o crime da mancha vermelha: a lei geral do sono.
maputo, moçambique 2021
*
Nota: Texto escrito por Hirondina Joshua como apresentação/diálogo para o livro A forma fugaz das mãos, de Fábio Pessanha, publicado pela editora Patuá em 2021.
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